Carnaval, festa do povo, com o povo e para o povo

24 de Fevereiro de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

“Topada ajuda a caminhar” ou “depois de cair é que se levanta” é dito popular que bem expressa o que pode representar a atual crise, para a correção de rumos, quer seja no plano individual, quer seja no coletivo. Anuncia-se, com certo sensacionalismo, que a Prefeitura Municipal de Ouro Preto deixa de gastar dinheiro no carnaval, entregando-o à iniciativa privada, porque deixou de ter dinheiro disponível para tanto. O argumento soa um tanto como aquele do condutor que reduz do excesso ao mínimo da velocidade permitida só porque desaba uma tempestade, naquele momento. Em sendo assim, não há mérito na atitude tomada pela administração municipal, porque assim como o condutor persistiria na infração se não fosse a chuva, a PMOP estaria a esbanjar dinheiro com a festa do rei momo, se os cofres não estivessem vazios.

Todavia, vale a oportunidade para repensar o comportamento do poder público municipal diante do carnaval, que deve recuar para a condição da qual nunca deveria ter sido tirado como festa do povo, feita pelo povo e para o povo. Se a partir deste, os carnavais deixarem de ser alimentados pelos cofres municipais, a crise alegada terá pelo menos esse lado positivo, o de iniciar processo de levar a realização dos folguedos de momo de volta à forma anterior; diz-se processo de levar de volta, porque a PMOP transferiu a realização do carnaval para a área empresarial, numa espécie de concessão de algo que não lhe pertence. Como dito, o carnaval é do povo, com o povo e pelo povo, livre para explorar sua criatividade, fazer as críticas sócio-políticas merecidas, enaltecer o humor, extravasar a alegria, promover a aproximação de pessoas. Como tal ele deve ser de iniciativa privado-coletiva, como antes da ingerência do poder público em sua promoção e organização!

Cabe à administração municipal a gerência do espaço público, provimento da iluminação, limpeza, garantia da segurança e emergência médica, bem como normatização mínima do evento a bem dos direitos humanos e de cidadania. O resto é com o povo!

Mais de uma vez já se disse, nesta coluna, sobre a qualidade do carnaval-arte que se realizava, por intermédio de agremiações específicas, grupos temporários (organizados ou improvisados) e da iniciativa individual. O carnaval, então, era vivido e compartilhado, da infância à velhice, durante vinte e quatro horas dos três dias a ele dedicados. Eram somente três dias, porém de muita intensidade, porque criatividade não faltava, o que contribuía para a diversidade de formas de brincar o carnaval. Em razão disso, todos tinham seu jeito ou seu meio de brincar o carnaval. Ao contrário de agora, quando muita gente detesta carnaval e dele foge em busca de recolhimento, ou de atividades diferentes, simplesmente não havia fuga do carnaval na Região dos Inconfidentes. Cada região, cada comunidade tinha sua forma de carnaval. Escola de samba era coisa de carioca, manifestação carnavalesca do Rio de Janeiro, assim como trio elétrico é coisa de Salvador, Bahia, surgido não há muito tempo para preencher o vazio, que era até então o carnaval baiano.

Por incrível que pareça, em São Paulo dos anos setenta ainda havia resquícios do entrudo, carnaval selvagem que, à mesma época, alguém pensou restabelecer em Ouro Preto, como se tudo aqui devesse voltar ao que era no passado mais longínquo, ou seja, ao início da segunda metade do século dezenove, quando o entrudo se extinguiu. Como manifestação carnavalesca, à mesma época, o que os paulistanos tinham era um pequeno desfile de escolas de samba, realizado em Vila Matilde, zona leste da capital. Era algo bem inferior, não somente a todo o carnaval, da Região dos Inconfidentes, mas ao que apresentavam as escolas de samba locais. O hoje existente em São Paulo, não passa de arremedo e pretenso concorrente do carnaval da Sapucaí, no Rio, até o sambódromo, repetido no Anhembi. Ambos são espetáculos para entreter turistas; nada mais que isso! Até o samba foi corrompido, em atendimento a critérios estabelecidos para os desfiles oficiais, nas duas megalópoles!

A mania da cópia, cômoda característica tupiniquim, fez replicar escolas de samba em todo o Brasil. Ao mesmo tempo, gestores públicos, ´dissimuladamente, municipalizavam o carnaval. Assim, chegou-se ao ponto de vários municípios brasileiros ficarem sem carnaval, neste ano, porque respectivas prefeituras estão com a corda no pescoço. Reconhece-se que o carnaval mudou, transformou-se ao sabor de novos gostos e novos interesses; não se pede que volte ao passado, embora sua qualidade tenha sido muito melhor e atendido mais tipos de foliões. Entretanto, o poder público municipal pode e deve deixar a iniciativa, promoção e realização do carnaval por conta do povo!

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