Chore, mas caia fora

15 de Julho de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Por nove meses, o bebê se forma, sofre transformações e vem ao mundo, onde desembarca sob olhares curiosos e, na maioria das vezes, alvo de sentimentos de amor, carinho, externados com muitos sorrisos e exageros nos elogios ao chorão ou chorona. Mas, ele (ou ela) chora, como num gesto de rebeldia ante a súbita mudança do aconchego e tranquilidade do útero materno para este mundo, que lhe parece estranho, barulhento e violento. O impacto disso é demais para ele/ela que, se pudesse, daria marcha à ré ao ponto de origem, de onde não mais sairia. Ainda que o/a toquem com cuidado, para o bebê esse primeiro gesto é a extrema violência. Daí seu primeiro berreiro. Essas são as primeiras impressões, nada agradáveis! Não há retorno, não se sabe como será o futuro, mas o jeito é se acostumar com a nova situação e seja o que Deus quiser.

Também por nove meses, desde que acusado por falta de decoro parlamentar, ao mentir em depoimento, o deputado, então presidente da Câmara Federal, resistiu em deixar o cargo. Ao renunciar, também ele chorou, não por arrependimento ou vergonha, sentimentos exclusivos dos que cometem faltas na eventualidade, até mesmo involuntárias, mas porque é acostumado, já se viu, com a prática de deslizes não condizentes com a hombridade, que deve ter o bom cidadão. Chorou e ainda deverá chorar por começar a perder a oportunidade, que o sistema político lhe dá para viver nababescamente, enquanto mente ao povo em palavras e ações, assim como fez diante de seus pares na CPI da Petrobrás, ao negar que tinha contas bancárias ocultas, no exterior; fato comprovado com documentos nas investigações.

Somente esse delito, o menor dos quais é acusado, deu ensejo ao processo que pode lhe causar a perda do mandato, se não lhe atenuarem a culpa, uma vez que renunciou à presidência da Câmara Federal, a maior cobrança política que lhe era feita. Desconfia-se que ele tenha visto na renúncia o meio de salvar o mandato, se é que ainda tenha salvação. Chorou porque perdeu todas as mordomias – e que mordomias! – inerentes ao cargo, além da eventualidade de ocupar, ainda que interinamente, a cadeira de presidente da República. Acossado pela opinião pública, na qual se escorou a Câmara para o processar, o homem resistiu, teimosamente, mas às vésperas da decisão quanto ao destino de seu mandato, resolveu renunciar, na tentativa de conservar os dedos depois de perdidos os anéis.

Pergunta-se, entre eleitores, o porquê de tal resistência por tão longo tempo, tendo contra si acusações, sob fortes evidências, de crimes praticados à sombra do cargo eletivo. O grande fator a sustentar esse comportamento é o fato de político tupiniquim considerar o mandato parlamentar como seu e não uma concessão, que lhe foi dada para representar o povo. Se tivesse consciência dessa condição já teria renunciado, indo além do cargo de presidente, ou seja, devolvendo o mandato recebido por meio das urnas, logo ao se verificar seu grau de repúdio dentro da sociedade. Em países evoluídos, dotados de eleitorado bem formado e informado, agentes políticos em desvio de conduta não esperam julgamento do seu caso; renunciam antes, reconhecendo que perderam a confiança e não mais merecem a posição que lhes foi concedida. Só em países como o Brasil agentes políticos se julgam donos do poder!

Pior é que grande parte do eleitorado, mal formado e enganado por práticas corruptas às quais sucumbe, na ânsia de levar vantagem, em muito contribui para que agentes políticos se perpetuem no poder, estendendo-se este por meio da linha sucessória familiar. Não bastasse o fato de a escolha primária não caber a ele, mas às cúpulas partidárias, por meio de conchavos, tretas e mutretas, para a montagem do prato feito na disputa do pleito, o eleitor vota com base em qualidades supérfluas (aparência física, poder de comunicação, talento artístico, etc.), quando não em troca de alguma vantagem ou favor pessoal. Em outra vertente da malandragem política para atrair adesão de eleitores às candidaturas, considere-se o apoio que candidatos buscam junto a entidades, dentro da sociedade civil, fazendo de seus associados eleitores de cabresto. O sistema democrático tem como eleitor o cidadão, cabendo a ele e somente a ele o direito de votar, livremente, sem pressões ou qualquer tipo de indução, que lembre chantagem. Entretanto, muito proselitismo político se faz junto a entidades, no sentido de estas dirigirem os votos de seus membros, sócios, associados, o que caracteriza desvio de atividades, além de interferência indevida nos direitos de opinião e de escolha. Algumas entidades, contrariando princípios estatutários, vão além, ao darem apoio explícito a este ou aquele candidato, com vistas a algum benefício prometido.

O que acontece, atualmente, é consequência da falta de uma verdadeira base, onde se firmar a democracia. O país se ressente da falta de uma formação cidadã e de um sistema político-eleitoral, blindado contra a corrupção. Atingidas essas metas, o almejado pela sociedade brasileira virá por consequência!

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook