Coisas de ontem... e de hoje C

06 de Maio de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Manelão, menos galhofeiro que o normal em seu comportamento, comenta:

– É curioso como a conversa desliza de um tema para outro e, de repente, ninguém mais se lembra do que puxou o assunto atual. Vocês se lembram do que levou a conversa ao tema das aparências?

– Disso não me lembro mais – confessa Dolores, provocando resposta do próprio Manelão:

– Foi ao contar como amigo meu foi recebido na agência local do INSS.

– Não foi atendido porque chegou, alguns minutos, atrasado em relação à hora agendada pela internet – recorda Narita.

– Isso mesmo – confirma Manelão, continuando – foram doze minutos de atraso, decorrente de atraso no transporte, pois reside a mais de vinte quilômetros da agência previdenciária.

– Parece-me que, no momento da recusa, foi agendado comparecimento para data posterior, não foi?

– Pois é! E dessa vez foi atendido, mas sabem por quanto tempo esperou? Quatorze minutos além da hora agendada!

– “Faça o que mando, mas não faça o que faço” é o lema da ineficiência e do pouco caso, na administração pública brasileira – diz o Mário – é o cúmulo da safadeza o que fazem com os aposentados! Não é isso, Tatão?

– Concordo que haja certo rigor no cumprimento da agenda por parte do segurado, porque se a coisa fica muito solta, aí é que tudo desanda, de vez!

– Também penso o mesmo; há gente muito folgada – completa Quinzão e Tatão continua:

– Vejam que há quem nem porte relógio, para não se sujeitar ao cumprimento da hora marcada, o que se constitui em desrespeito ao direito do próximo. É muito bonito dizer “eu não quero ser escravo do relógio”, mas que realize seu sonho, à parte da civilização, desvinculado de qualquer coisa inerente a ela; se conseguir. Quem conseguir conte-me como porque eu também farei o mesmo. No caso do atendimento, no INSS, falta bom senso e sobra rigidez, pois não se pode dar o mesmo tratamento, indistintamente, ao que reside próximo à agência, dependente apenas dos próprios pés, e ao que reside distante, dependente do serviço público de transporte. Para quem reside a mais de dez quilômetros, por exemplo, deveria haver outro critério.

– E a idade deveria também ser levada em consideração, não devolvendo alguém com mais de setenta anos para casa, sem atendimento, porque se atrasou doze minutos – defende Manelão, explicando – o amigo de que falo, felizmente, embora se aproxime dos oitenta anos, é saudável, bastante ativo e ainda trabalha. Nem todos com sua idade se apresentam nessas condições.

Chiquinha interrompe o marido para complementar:

– E você se esquece de outro detalhe muito importante. Grande parte das pessoas vindas de mais longe é gente humilde e de poucos recursos, não dispondo do suficiente para se alimentar adequadamente em visita à sede municipal. Deixar de atendê-las devido ao atraso em alguns minutos é crueldade!

– Tudo isso deveria ser levado em conta pela Previdência ao se estabelecerem critérios para o atendimento pré-agendado – é Tatão novamente.

– Idosos e residentes longe da agência merecem tratamento diferenciado – acrescenta Chiquinha. Além dos problemas inerentes à idade avançada, os residentes fora da sede municipal nem sempre contam com transporte em tempo hábil para o comparecimento.

– E o seu amigo, conseguiu o que almejava? Ele deseja desaposentar-se, não é? – pergunta o Mário ao Manelão.

– Ele voltou meio frustrado quanto ao que pretende, mas não se trata de troca de aposentadoria. Como é aposentado há mais de quinze anos, e, o valor da aposentadoria não é corrigido na mesma proporção do salário mínimo, hoje ele recebe o mínimo.

– Caiu do teto ao piso – exclama Dorinha.

– Do teto, não. Ele estava acima do piso um pouco. Porém o mais cruel, em sua situação, é que continua na ativa. Não parou de trabalhar e nem de contribuir para o INSS.

– Isso quer dizer que a Previdência penaliza-o duas vezes! – surpreende-se Lazinha – achata seu benefício e o extorque em contribuições sem retorno.

– Isso mesmo – confirma Tatão, acrescentando:

– E “benefício previdenciário” só é de fato para quem nunca contribuiu e é amparado pelo INSS, porque, segundo o Aurélio, benefício significa “serviço ou bem que se faz gratuitamente; favor, mercê, graça”. No caso de aposentados e pensionistas, o termo benefício é mentiroso e demagógico, pois houve contribuição prévia.

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