Coisas de ontem... e de hoje CII

20 de Maio de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Com a observação feita, Manelão se sente no centro das atenções do grupo e prossegue nas críticas:

– Pura lorota e conversa pra boi dormir o que dizem “pró-idosos”. Vocês devem se lembrar, pois isso não foi há muito tempo: um ministro da Previdência, sob a desculpa de combate à corrupção forçou velhinhos à fila diante dos postos do INSS, para provar que estavam vivos. E a “velharada”, até mais de noventa anos, incluindo-se cegos, usuários de muletas, cadeira de rodas, teve que entrar em fila porque assim, entendeu o tal ministro, descobrir-se-ia quem estava a fraudar a Previdência Social. A verdade é que o governo impõe, à sociedade, obrigações com relação aos idosos, mas quanto à sua parte, não vai além do discurso bajulatório; ele próprio não tem consideração nenhuma com os mais velhos.

Narita interrompe a fala do Manelão:

– Ouvi contar experiências de idosos que, na boca do caixa para receber a aposentadoria, são informados de que já morreram; isso é um absurdo, não pode ser verdade.

– Pior é ser verdade mesmo – atravessa Lazinha – pois isso aconteceu com primo meu, residente no Rio. Sua esposa havia recebido alta hospitalar e, necessitando de medicamentos, o marido se apressou para receber o que o INSS lhe pagava, mensalmente, como aposentado. A moça do caixa olhou para a cara dele, pediu documento com foto, conferiu e lascou – aqui diz que o senhor já faleceu! O pobre coitado ficou sem saber o que fazer. Durante vários meses ficou sem receber, dependendo do único filho distante, também mergulhado em dificuldades.

– Isso, geralmente, acontece com pessoas dos oitenta para cima – acrescenta Tatão, confirmado por Lazinha:

– De fato, meu primo acabara de completar oitenta e um.

– Estou dizendo que esse pessoal não nos quer em cima terra, mas vocês acham que é exagero meu. Eles nivelam as aposentadorias pelo mínimo e ainda fazem pressão psicológica, para que os velhos se sintam como estorvo. Não é o meu caso e creio não ser o de nenhum de vocês, mas muita gente passa a se considerar inútil, quando entra na velhice. As maldades perpetradas pela Previdência Social fazem o resto! – completa Manelão.

– Parece-me que, casos de velhos terem pagamento bloqueado por morte presumida acontecem, com mais frequência do que se imagina – intervém Tatão – Nem tudo chega aos olhos e ouvidos da mídia! Imaginem pessoa em situação de baixa estima receber uma informação dessas.

– E não é fácil reverter a situação; provar que continua vivo é outra luta contra a morosidade e a burocracia jurídica – observa Dolores, seguida de Manelão que acrescenta:

– Pode acontecer de o infeliz “bater com o rabo na cerca” antes de provar alguma coisa e aí fica tudo certo; a mentira se torna verdade.

– Para não cair em estado de resignação – intervém Dorinha – ou seja, aceitar tudo como normal e deixar se levar pela vontade de terceiros, defendo a investida dos velhos mais conscientes contra esse estado de coisas; não falo de resistência, o que é pouco. É necessária mais agressividade, em defesa da dignidade humana na fase final desta vida.

– É assim que se fala – apoia Tatão – E vou além; penso que chega a ser dever do idoso consciente a luta contra a inoperância e manipulação, oficiais, em desfavor de sua faixa etária. Na mesma proporção, há que combater também o conformismo dentro do seu círculo. Quem tem condições deve assumir seu papel em defesa dos demais, impossibilitados, por uma série de razões, incluindo-se a simplicidade, característica da grande maioria. O que não pode é o silêncio acomodado, conivente, subserviente diante das injustiças cometidas contra os que já deram tudo de si para que este país esteja de pé.

Dolores também se manifesta:

– É mesmo dever de todos que têm consciência da situação. Já se foi o tempo de tantos preconceitos, falsa moral e carência material, que limitavam a velhice de nossos pais e avós. Os de nossa geração devem exigir que direitos conquistados sejam respeitados, a começar por aposentadoria justa, mantida com seu poder aquisitivo original, em consonância com as contribuições ao longo da vida de trabalho.

– Ei, gente! – é a Dorinha a chamar a atenção do grupo – Toda essa discussão começou pela bronca do Tatão com relação ao termo “benefício” usado pela Previdência. Mas, ele não apresentou opção. Qual seria o termo correto, Tatão?

– Mas isso acontece, comumente, em debate como este; uma coisa puxa outra e, às vezes, se esquece de onde surgiu a polêmica. O termo correto seria “seguro social”!

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