Depois de ouvir dizer que “seguro social” seria o termo para substituir “benefício”, usado pela Previdência Social, Dorinha volta com toda carga:
– Seguro social? – indaga ela, num misto de crítica e surpresa, continuando – seguro social é coisa de norte- americano.
– É verdade; nos Estados Unidos existe o seguro social, em outras bases e um tanto complexo, desvinculado do que seria a aposentadoria, mas isso não quer dizer que o sistema previdenciário brasileiro não seja também seguro social. Nos Estados Unidos, o famoso “cartão do seguro”, concedido a todos (incluindo-se imigrantes legais) tem outra função e pode ser a “salvação” do cidadão em situação de penúria. No Brasil, não existe o mesmo sistema, mas “benefício” é que não são os valores pagos a título de aposentadoria e de pensão por morte.
– A malandragem tupiniquim inverte tudo quando descobre que, por esse meio, leva alguma vantagem – comenta Dolores.
– Voltamos à mesma questão, ou seja, à educação – adverte Narita – é tudo uma questão de boa ou má educação, complementada por informação ou desinformação.
– Isso é o que ia dizer – diz Tatão, continuando: o povo, de modo geral, não tem consciência de que realizações e/ou concessões do governo, são pagas com os impostos recolhidos de todos. Vê tudo como benesse governamental. Portanto, para os espertos do lado de dentro do balcão, é muito conveniente, e, insinuar que isso seja verdade ajuda a manter maus políticos no poder. Todavia, há que esclarecer que se, tecnicamente, o termo correto é “seguro social” ou simplesmente “seguro”, na prática, ele nada garante à grande maioria que recebe o piso salarial.
– E pelo que se vê, isso nunca terá solução – intervém Dolores – pois o tempo passa e a situação de quem contribui para o INSS fica mais instável; qualquer intervenção só se faz em desfavor do trabalhador.
– Você tem razão – volta Tatão – Em nível coletivo, ou seja, a partir de iniciativa governamental, dificilmente teremos solução pró-melhoramento das pensões e aposentadorias. Especialistas dizem que o número de segurados, ou seja de recebedores da Previdência, cresce mais que o número de contribuintes, porque as pessoas têm vivido mais.
– Por isso – intervém Manelão – eu disse que o governo quer ver a caveira dos aposentados mais velhos. Se não tem dinheiro para pagar a todos, apressa-se a morte dos primeiros da fila! E tem outra que vocês ainda não consideraram: o governo faz muita caridade com o chapéu alheio. Muita gente, embora não tenha contribuído com um centavo para a Previdência, é amparada por ela; sem falar na mão da corrupção, que age impunemente.
Dorinha não perde a oportunidade:
– Há que considerar o fato de serem pessoas sem qualquer condição de sobrevivência, muitas vezes doentes incuráveis, que necessitam de algum amparo. Não é justo que sejam abandonadas!
– Nem sempre Dorinha – protesta Manelão – nem sempre são pessoas nessas condições. Há os que, verdadeiramente, necessitam. Mas, na sombra dos necessitados há muita malandragem também.
– Malandragem é corrupção sob outro nome – ataca Tatão – que deveria ser combatida com punição severa, incluindo-se cadeia, depois de devolvido o dinheiro recebido de forma desonesta. Quanto aos necessitados deveriam receber amparo de outra fonte governamental e não do INSS, cuja receita é alimentada pela força trabalhadora, empresários e empregados.
Dolores, a demonstrar impaciência, indaga:
– Você disse, Tatão, que a partir de iniciativa governamental, dificilmente se fará justiça aos aposentados neste país; há alternativa?
– Sim, alternativa há; entretanto, com efeitos só no futuro, ou seja, para os que agora ingressam no mercado de trabalho. Para os atuais aposentados e os a meio caminho da aposentadoria não creio haver solução. Infelizmente, somos todos vítimas da incúria governamental e da cultura perdulária, tipicamente tupiniquim, vinculada à inclinação que temos à dependência.
– Cultura perdulária? Se o brasileiro é tão pobre como pode ser gastador? – é a Dorinha.
– Aí está a chave da questão. Somos pobres porque somos perdulários; gastamos tudo o que ganhamos. Ninguém ganha tão mal que não possa guardar, nem que seja um pouquinho, ao fim de cada mês.
É a vez de Tatão ser alvo de chacotas:
– Amigo, você está a delirar! – Tem certeza de que está bem? – Parece que nosso amigo Tatão tem lido muitas histórias infantis! – Será que já está a caducar?