Coisas de ontem... e de hoje CIV

08 de Junho de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Por bom tempo, o grupo se diverte à custa do Tatão, que ousou qualificar o brasileiro, de maneira geral, como perdulário, isto é, gasta tudo o que ganha. Enquanto piadas se sucedem, Quinzão, ao contrário de outras ocasiões, permanece calado, pensativo. Em dado momento, ele eleva a voz e diz:

– Penso que entendo o que quer dizer o Tatão. Tudo é uma questão de adequação às circunstâncias. Se a pessoa tem pouco, ela tem que aprender a viver com menos daquele pouco. E o exemplo disso, busco em minha memória a figura de um nordestino, parece-me que cearense aqui chegado em condição de andarilho. De material o homem não possuía nada, além da roupa que vestia e algumas latas em que cozia a comida, quando não a ganhava pronta para comer. Seu nome de batismo, se sabido era, gravado não foi, mas sim o apelido, que não demoraram aplicar-lhe. Em terra que, à falta de inspiração para apelido de fato, se valia de outro nome para identificar as pessoas, não seria ele privilegiado entre o comum dos mortais. “Cabra da Peste” se amoldou ao seu estilo e personalidade, depois de muitas vezes ouvido a empregar a expressão nordestina, em referência a qualquer pessoa.

– Lembro-me do cara – intervém Manelão – era pessoa afável, muito comunicativa, que granjeava simpatia, razão pela qual recebia seu prato de comida, diário, nos primeiros dias de contato com os locais. O pobre coitado não tinha nada mesmo, mas esbanjava alegria com seu jeito engraçado, sem reclamar da vida, que não lhe era fácil.

– Isso mesmo – confirma Quinzão – ele gostou daqui e acabou ficando. Nos primeiros dias, viveu da caridade; prato de comida, alternado em algumas casas, e peças de roupa usada. Lá um dia, sentou-se à beira da estrada, ainda estreita e poeirenta, tendo à frente pequena caixa com punhado de laranjas, adquirido com algum dinheiro da ajuda popular. Não demorou muito e se “estabeleceu” com barraca precária, de onde passou a tirar seu sustento. Não mais pediu.

Tatão ouviu e retomou seu discurso:

– Não conheci o “Cabra da Peste”, pois a essa época eu já havia me transferido daqui. Pelo que ouço, o fato deve estar situado há cerca de sessenta anos, no tempo. Conforme vocês mesmo dizem, o homem nada tinha. Entretanto, o primeiro recurso pecuniário, que teve às mãos, ele não gastou consigo próprio, diretamente. Investiu em laranjas que, vendidas, tiveram o resultado aplicado em mais laranjas a serem vendidas. E, assim, progressivamente, obteve condições de se manter, ainda que de forma bastante humilde. Ele sabia o que a maioria tupiniquim não sabe. Ele sabia poupar!

– Mais uma vez, caímos na questão da educação – observa Narita – as pessoas têm que aprender a viver com o que têm à mão, no momento, e não no futuro.

Manelão sorri e acrescenta:

– Meu avô resumia essa filosofia da seguinte forma: “não se deve fiar no ovo ainda não saído do fiofó da galinha!”

– É isso aí! No dia em que aprender a poupar – volta Tatão – o brasileiro consciente deixará de esperar a Previdência Social como seu sustento na velhice; poderá tê-la, porém, dela não mais depender.

– E você acha que uma “merrequinha”, poupada mensalmente, pode ajudar alguém na velhice? – indaga Dorinha, continuando – Caderneta de poupança, investimento do pobre, não creio que seja boa contraposição à aposentadoria paga pelo INSS.

E Tatão contra-ataca:

– É claro que não é solução! E o que você intitula “investimento do pobre” eu chamo de empréstimo, praticamente de graça, ao governo; disso não passa a popular caderneta de poupança! Ao invés de emprestar ao governo, brasileiro deveria investir em si próprio.

– E o que seria investimento em si próprio? – indaga Chiquinha.

– Há vários, mas já que se fala em aposentadoria, aponto a previdência privada, como meio de suplementar a aposentadoria paga pelo INSS. Em minha opinião, a subscrição de um plano de previdência privada é a melhor poupança, pois reverte de fato ao poupador sob a forma de aposentadoria menos injusta. É o que chamo de investimento em si próprio, assim como o é o plano de saúde, descoberto a duras penas nas filas da saúde pública, embora ainda cheio de armadilhas, das quais nem todos conseguem escapar. Infelizmente, gasta-se o que se ganha e o que ainda vai ganhar com supérfluos, ou com o que pode ficar para depois. O brasileiro ainda não aprendeu a poupar para investir em si próprio.

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