Dorinha continua a espicaçar o Tatão:
– Então, de acordo com o seu modo de ver as coisas, dinheiro não aplicado nessas quatro prioridades é dinheiro jogado fora!
– Bom não exagerar, Dorinha! E também lembremos que cada caso é um caso. Educação, plano de saúde, plano privado de aposentadoria, e gastos com cultura constituem o básico dos investimentos em si próprio, do qual não se pode descurar, mas, além destes, outros podem haver, a depender das atividades de cada um. A indumentária pode ser investimento para o exercício de determinadas atividades, assim como o veículo é ferramenta de trabalho, por exemplo, para o representante comercial, para o vendedor. Aquisição de ferramentas por profissional de qualquer categoria é também investimento em si próprio, mas é bom frisar que os quatro primeiros setores, não deixam de merecer atenção em primeira mão. O que manda é o bom senso. Se seu orçamento é apertado, a pessoa tem que ter o bom senso de atender as prioridades, deixando, em segundo plano, outras necessidades menos exigíveis.
Quinzão está atento ao diálogo entre Tatão e Dorinha, que têm diferenças quanto a prioridades em gastos pessoais, porém uma dúvida o faz intervir, dirigindo-se ao Tatão:
– Em sua opinião, a Previdência oficial deveria ser deixada de lado, ou, deveria ser extinta?
– Respondo não para os dois casos. Deixar o INSS de lado, nem há como, pois o vínculo entre o setor produtivo e ele é compulsório, amparado em lei, etc. Nem mesmo o trabalhador autônomo deve ficar à margem, porém ter cuidado quanto à sua contribuição, mantendo-a no mínimo. O que ele tiver de contribuir além do mínimo, deve direcionar ao plano privado.
– E por que o autônomo deveria manter sua contribuição no mínimo?
– Por uma questão óbvia: ele não vai ter sua aposentadoria na proporção de sua contribuição. Nesse aspecto, o autônomo leva vantagem, pois não fica preso às imposições existentes dentro do vínculo empregatício. Autônomo não é forçado a pagar por algo do qual não obterá o retorno ideal.
– Mas, o engraçado é que grande parte das pessoas, mesmo tendo condições de se situar bem por própria conta, prefere o vínculo empregatício – é observação da Chiquinha, seguida pelo marido:
– Essas pessoas têm o olho gordo em cima dos penduricalhos do emprego, como férias, décimo terceiro salário, fundo de garantia, salário família.
– O que pode ser grande ilusão – adverte Dolores.
– E é mesmo – confirma Tatão – Mas, a verdade é que, ao longo do tempo, a mentalidade do trabalhador brasileiro abandonou-se à dependência. Ele pode até ter consciência de sua capacidade, porém prefere se sujeitar às regras do emprego a ter que se esforçar um pouco mais, por conta própria. Tudo que o trabalhador tem no emprego, ele pode conquistar, na condição de autônomo; basta planejar e seguir à risca o planejado. Vejam que nem sempre foi como agora. Já falamos dos muitos profissionais que havia em cada comunidade: sapateiros, ferreiros, carpinteiros, marceneiros, colchoeiros, alfaiates, correeiros, costureiras. Todos viviam bem, educavam suas famílias, sem qualquer vínculo empregatício. Reconhece-se, entretanto, que a vida era mais simples, menos pressão, menos exigências. Cada um vivia de acordo com seus próprios recursos, sem muitas ambições.
– Caminhava-se com as próprias pernas e se evitava dar passo maior que elas – complementa Manelão.
– Mas, é como o Tatão diz – comenta Narita – não havia tanta informação, publicidade e apelos de toda ordem a fazer pressão sobre o cidadão; consequentemente, havia menos exigências. As necessidades materiais eram bem reduzidas, se comparadas com as de hoje. Entretanto, nem todas as necessidades são prioritárias. Grande parte das necessidades é artificial; criada por outrem, para atender às suas próprias necessidades, ou seja, para atender, por exemplo, sua necessidade de vender.
– Você entendeu bem, Narita – confirma Tatão – Veja a necessidade do calçado, prioridade hoje, mas nem sempre no passado, pois as pessoas mais pobres, especialmente do meio rural, andavam descalças. Pode-se atender essa necessidade com custo reduzido. Mas muita pressão publicitária leva o consumidor a optar por tênis de marca, cujo preço está muito acima do mesmo produto, porém genérico. São essas despesas desnecessárias que o brasileiro precisa aprender evitar e canalizar os recursos para um plano privado de aposentadoria.