Coisas de ontem... e de hoje CVII

03 de Julho de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A Lazinha dá uma explicação:

– Ao contrário do tempo dos nossos ancestrais, quando a tranquilidade era fator constante na vida das pessoas, no momento atual, o imediatismo impõe pressa na realização de tudo. A vida se converteu em verdadeira competição.

– Verdade – intervém o Mário – cada qual quer ser mais que o outro.

Tatão rebate:

– Desculpe-me, Mário, mas você usou o verbo trocado. Não é que se queira ser mais que o próximo, porém ter mais do que ele. A competição tem sido pelo ter mais e não ser mais. Embora ainda não seja o ideal, se esse “ter” tivesse como base a capacidade de poupar, economizar, teria mais sentido. Acontece que ela se dá em torno da capacidade de gastar, de consumir. E, pior, de consumir por consumir!

– Realmente, pensei em termos de posses materiais, não se justificando o emprego do verbo conforme fiz – confessa o Mário, continuando:

– Pessoas se sentem inferiorizadas diante daquelas detentoras de mais bens materiais. Por isso empenham o que, pressupostamente, ainda ganharão. Sem garantia de ainda ter o emprego no futuro, assumem compromissos financeiros para ter a posse imediata de bens, cujos custos extrapolam, em muito, sua capacidade de pagamento à vista. Tais compromissos podem se estender ao tempo de até cinco anos, sem que se dê conta da redução, no mesmo tempo, das chances de aquisição de outros bens mais necessários.

– Sem esquecer que pagam juros exorbitantes, para satisfazer a vaidade e pretensão de se igualar ou superar outras pessoas – acrescenta Tatão.

– São esses fatores que fazem a diferença entre o nosso modo de vida e o dos nossos pais e avós – volta Lazinha – quando não em centros urbanos, então bem menores, viviam na área rural. Cada comunidade era um mundo à parte, cada qual bastando a si própria. Em razão de maior isolamento, pessoas viviam sem sequer saber da realidade vivida por seus semelhantes em centros mais adiantados. Suas necessidades básicas não iam além de um teto, comida à mesa e algumas peças de vestuário simples. E eram felizes!

Dorinha, muito atenta às palavras da Lazinha, expõe suas considerações:

– Dá mesmo o que pensar, se comparados o passado e o presente, nos seus diferentes modos de vida. Grande parte dos gastos atuais é forçada, não por necessidades, porém por medo de ficar “pra trás” em relação ao vizinho, ao amigo, ao colega, etc. Exemplo mais clássico disso é o celular. Não que se conteste sua validade, sua utilidade e tudo mais de positivo no contato ponto a ponto dentro da comunidade humana. Contudo, é ele necessário a todos? Justificado seu porte, é ele usado de maneira racional, quando verdadeiramente necessário? Na maioria das vezes é gasto desnecessário, tanto na posse quanto em seu uso.

Manelão não perde oportunidade de dar sua opinião sobre o uso do aparelho:

– Seu uso, às vezes, chega ao ridículo. Passem a observar o comportamento de algumas pessoas, em viagem de ônibus. A partir do momento em que entram no “busão”, transformam-se em narradores da viagem. Em contato com parente, amigo, ou seja lá quem for, o zé mané ou “marimanela” descreve todo o percurso até o desembarque: “acabo de entrar no ônibus...” “estou passando na ponte tal...” “acabamos de passar naquela curva perigosa...” E os demais passageiros que aguentem aquela chatice!

Chiquinha ri, em apoio ao marido, e faz relato:

– Ao falar em uso ridículo do celular, meu Mané faz lembrar-me de incidente um tanto hilário. Durante viagem nossa, mulher fez ligação de dentro do ônibus para casa e, falando bastante alto, indagou sobre tudo que acontecera depois de sua saída, fez crítica à vizinha que lhe desejara boa viagem e, em seguida, ditou ordens sobre o preparo do almoço, ao qual ela nem estaria presente. Como se não bastasse todo seu modo imperial, dissertou sobre o conteúdo da geladeira, para informar à outra pessoa o que nela encontrar para o mesmo almoço. Sem que tivéssemos o mínimo interesse, todos nós, ocupantes do veículo, fomos informados sobre os hábitos alimentares, na casa daquela mulher.

Manelão, olhando para sua mulher, balança a cabeça e exclama:

– Quanto a isso há controvérsias! Não há garantias de que aquele celular estivesse, de fato, conectado a outro telefone.

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