Dolores ri da tirada do Manelão e comenta:
– Deixando de lado as brincadeiras, o que se observa é o atual comportamento humano sob total desprezo às regras ditadas pelo bom senso. Quem se comporta e procede adequadamente é taxado “careta”, “quadrado”, quando não recebe rótulos mais pejorativos. No caso da alimentação, não é preciso ser especialista em saúde, porém refletir um pouco sobre a questão. A comida deve atender, prioritariamente, o organismo em suas necessidades. Por isso, deve haver cuidado com o que se come, como, quanto e quando se come. É claro que, devido às circunstâncias, nem todos podem seguir as recomendações, mas tentar aproximar-se do ideal todos deveriam.
E o Mário dá o ar da graça:
– O que vocês pensam sobre promoções nas quais pessoas disputam quem come mais em menor tempo?
– Chiiiiii! Vem fogo aí – exclama Manelão, enquanto passeia o olhar entre Mário e Tatão. E acerta sua previsão, pois Tatão troveja:
– Seria caso de polícia!
– Ora, Tatão, não exageremos! – reage Dorinha.
– Considerado o mar da liberalidade, no qual navegamos, pode ser que eu exagere. Entretanto, reflitam sobre o que representam tais concursos e quais podem ser suas consequências. Muito falamos, ainda há pouco, sobre desperdício de alimentos. Esse é mais grave, por se tratar de desperdício voluntário e programado, sem levar em conta o quanto representa em insulto aos milhões de pessoas, que passam fome. É antiético e imoral! Não bastassem o excesso e a forma apressada da ingestão de alimento, a configurar agressão ao organismo, só o fato de ser por entretenimento público já se constitui em atentado à saúde de terceiros. Quem participa desses eventos corre o risco de morrer empachado!
– E você se esquece de uma coisa – atravessa Narita.
– Se me esqueço, você deve dizer o quê.
– Tais concursos podem induzir crianças e adolescentes as mesmas insanidades; são péssimo exemplo para os jovens.
– Você tem razão e não havia mesmo considerado isso. Pode até haver outras implicações que, agora, se mantêm ocultas.
– Por que classificar como desperdício, nesses casos, se o alimento é consumido? – volta Dorinha a questionar Tatão.
– Alimento não é desperdiçado só quando lançado ao lixo; ingerido sem necessidade também é. Todo consumo além do limite é desperdício! É dinheiro jogado fora!
– E por que você ainda fala em dinheiro? Desperdício de alimento não é suficiente para configurar a anomalia? – protesta Dorinha, mais uma vez.
– Acontece que, muitas vezes, pessoas só reagem contra uma situação nefasta quando vista ao lado do cifrão.
E a Dorinha devolve:
– Sempre o maldito dinheiro!
– Aí se encerra um dos grandes erros em relação ao dinheiro – continua Tatão – Ele é o mais perfeito bem econômico, já criado pelo homem, não representando, por si só, nenhum mal. É o mais perfeito porque com ele você compra qualquer outro bem econômico. O mal pode estar no seu uso, que compete ao ser humano.
– Eu queria ver alguém comprar saúde com dinheiro – desafia Dorinha, mas Manelão não espera reação do Tatão:
– Eh! Dorinha, você está a misturar alhos com bugalhos! Saúde não é bem econômico; acorde mulher!
Só aí, sob as gozações dos amigos, Dorinha percebe que com mania de tudo contestar cometeu tremenda gafe e pede desculpas.