Da besteira dita pela Dorinha, Manelão se vale para fazer suas críticas:
– Engraçado; fala-se mal do dinheiro, mas só fica sem ele quem não o tem mesmo.
– E há quem diga ser ele invenção do diabo – acrescenta Narita.
– Quem fala assim talvez trabalhe para ele. O diabo – devolve Manelão e reage Dolores:
– Cruz, Ave-Maria, Credo!
– Pois é – volta Tatão – o dinheiro é das invenções mais sábias do homem. Só com ele a sociedade humana pode se organizar economicamente. E ele tem origem séria, diria sagrada!
– Mais uma do Tatão – atravessa Dorinha – uma coisa que causa tantas desgraças, tantos crimes, enquanto tantos padecem miséria, ou seja, por não tê-lo em volume suficiente.
– Em geral e infelizmente, essa é a filosofia que gostariam de ter muito dinheiro, porém sua competência é limitada para tê-lo só para o básico. É, mais ou menos, como em “A Raposa e as Uvas”, fábula de Esopo. Ao concluir que as belas uvas estão fora do seu alcance, ela, hipocritamente, se consola: “estão estragadas e não me servem ao paladar”. O que causa desgraça, como você diz, Dorinha, é o próprio ser humano com todos os defeitos, que lhes são inerentes. Dinheiro, em si, não é problema; é solução, claro que nem sempre.
– Pois eu não gostaria de ter muito dinheiro – é Dorinha novamente.
– Lorotas! – replica Tatão – Querer todo mundo quer. Nunca vi alguém recusar pagamento, ao ser contemplado com grande bolada. Fazem, sim, é muita bobagem ao ter o dinheiro nas mãos!
– Gente! Posso até proceder da mesma maneira numa oportunidade dessas, mas há pessoas que parecem perder a cabeça quando ganham dinheiro extra. A primeira coisa que pobre compra é carro. E às vezes nem casa tem! – afirma Chiquinha, seguida de Tatão, que a corrige:
– Eu faria uma retificação, com relação ao conceito de pobre nesses casos. Nem sempre é o economicamente pobre, mas o pobre de espírito; aquele que não preparado parar ter dinheiro. Não basta competência para ganhar. Ela é necessária também para administrá-lo. Não são poucos os ganhadores de grandes fortunas – a história de grandes prêmios das loterias atesta – que voltaram à condição de miséria, mas muitos pobres se enriqueceram, repentinamente, sem perder o juízo. Assumem o novo padrão de vida, naturalmente, de forma muito natural.
Nesse ponto, Quinzão intervém:
– Com relação à administração do dinheiro, até empresários bem sucedidos cometem erros lastimáveis. Vejam o caso daquela proprietária de antigo e tradicional restaurante. Voltava do banco com a bolsa recheada com grande quantia destinada à folha de pagamento dos funcionários quando foi assaltada e morta. Tais ocorrências são facilitadas pela própria vítima, no caso uma empresária que abriu as portas da oportunidade ao bandido. Sacar grandes quantias para pagamento de funcionários é convite aos criminosos. Tal serviço é feito com eficiência pelos próprios bancos. Por que não deixar por conta deles?
– O caso é mesmo exemplo do que não se deve fazer – confirma Tatão e emenda Dolores:
– A alguns imprudentes só falta o retorno do dinheiro guardado debaixo do colchão!
– Pois não falta mais, você não sabe? – Atravessa Chiquinha, continuando – li em jornal que grande grupo de políticos tem guardado grandes quantias em casa, desde dezenas de milhares até alguns milhões de reais.
Tatão solta gargalhadas, exclamando:
– Só trouxa acredita nisso!
– Ora Tatão, por que seria mentira? A declaração foi feita junto à Justiça Eleitoral – indaga Chiquinha.
– Também eu li a notícia, e, justamente por sua natureza que digo ser falsa a declaração.
Percebem-se mais interrogações no olhar de cada um. Agora é Tatão que se vale da tática usada por Manelão, para atrair atenção sobre si.
– Isso é um blefe, enganação! Acredite quem quiser! A questão é muito simples e explico. Embora o financiamento de campanhas eleitorais ainda não tenha sido, definitivamente, proibido ao setor privado, todos mantêm orelhas de pé quanto ao assunto. Por via das dúvidas, tais políticos fazem tal declaração e tentam conseguir doações, nos mesmos valores, por baixo dos panos. Entenderam a malandragem? Ainda que seja proibido o financiamento, ninguém garante que a coisa não continue... debaixo dos panos, é claro!