Coisas de ontem... e de hoje CXX

02 de Outubro de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Como sempre, a opinião do Tatão é recebida com um misto de apreço, tendo em vista o respeito que lhe votam pelo que demonstra ser, e de alívio pelo que suas palavras esclarecem quanto ao peso da responsabilidade de cada um no voto dado a políticos, nas urnas.

– Então, você entende que o eleitor não é tão culpado quanto apregoam? – indaga Lazinha, que havia reconhecido a responsabilidade do eleitor.

– Não é o que penso ou o que entendo, mas sim a natureza dos fatos e circunstâncias, anteriores à campanha eleitoral que, devidamente analisadas, apontam para as verdadeiras causas da eleição de maus políticos. Entendo como culpa do eleitor, quando este vota em troca de favores; quando escolhe candidato pelos dotes físicos ou quando vai pelo cabresto, aceitando intromissão de dirigentes do círculo a que pertence; quando troca o voto por presentes ou benesses; quando ciente de fato comprometedor na vida do candidato, mesmo assim vota nele; e de outras situações diversas, que não respaldariam o candidato para a ocupação de cargo público. Mas independente dessas situações, existem fatores que tiram do eleitor o poder de fazer a escolha ideal; e isso ninguém conta.

Lazinha volta a falar:

– De fato, ao eleitor não chegam todas as informações necessárias, mesmo porque grande parte do eleitorado se mantém alheia à realidade política. Só toma contato com ela...

– De forma distorcida – aparteia Dolores.

– ...por ocasião das campanhas, pois só ouve, lê e vê aquilo que quer o político – conclui Lazinha.

– São pontos a indicar inocência parcial do eleitor – confirma Tatão – contudo, existem questões mais graves, que escapam à análise superficial do processo eleitoral.

– São tantas essas questões que o eleitor até desanima, preferindo votar só para cumprir a obrigação e aí... seja lá o que Deus quiser! – opina Dolores.

– Esse tipo de eleitor está entre os com parcela de culpa pela eleição dos maus – volta Tatão, continuando:

– Algum de nós já participou do processo de escolha dos candidatos?

– Ora, Tatão, todos nós somos eleitores – rebate Dorinha.

– Eleitor apenas vota. Pergunto: como o candidato é introduzido no processo?

– Sei que é escolhido em convenção do partido – diz Dorinha.

– Teoricamente, porque além de a convenção não constituir a maioria do partido, representada apenas por fichas dos ditos “militantes”, que nem sabem por onde anda a agremiação partidária, os pré-candidatos ali chegam com os acordos já costurados, para se sagrarem estes ou aqueles entre os apadrinhados da cúpula ou dos caciques, ou “donos” da sigla. Nem sempre capacidade e dotes morais do candidato têm importância. Entretanto, sendo ídolo público, em qualquer área, sobe sua chance de sair candidato, para se formar à frente dos demais, como a mula madrinha que, na tropa, chama atenção sobre si. Ele terá votos suficientes para si, deixando o excedente para os demais candidatos, nem tão bons de voto. Antes de ir à convenção, conchavos, acordos e acertos são feitos por trás dos bastidores, tudo de acordo com os interesses da cúpula. É dessa forma que são escolhidos, especialmente, os candidatos a cargos majoritários, ou seja, aos parlamentos, municipais, estaduais e federal. O eleitor não tem participação nenhuma. Ele apenas recebe um prato feito com a incumbência de engoli-lo. Portanto, os que às urnas chegam com mácula enganam ao eleitor, sobre o qual, mais tarde se lança a culpa pela má escolha. O sistema está contra o eleitor.

– Desconfio – diz Quinzão – que só há um meio de escapar desse prato.

– Isso mesmo, refugando tudo, anulando o voto – completa Tatão, continuando – e não aceitem a argumentação de que isso é errado ou antidemocrático. Cidadãos conscientes sabem que no sistema vigente não há quem queira ou faça mudar as coisas. Se a democracia recomenda que tudo se resolva pelo voto, pois que se resolva pelo voto... nulo! Para melhor compreender essa atitude considerada radical, considere-se novamente o prato feito, desta vez, de comida. Suspeita-se ou há certeza de que seu conteúdo está envenenado. Em sã consciência, alguém come desse prato?

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