Coisas de ontem... e de hoje LVII

05 de Maio de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Manelão, ao ouvir o Tatão falar sobre a reunião dos ricos em volta da lareira comenta:

– Já se vê que nesse aspecto, também, cada família tinha o fogo que merecia.

– Não, Manelão, a natureza do fogo é a mesma; o que muda são as circunstâncias em que ele é usado – rebate Dorinha – Na casa do pobre, o fogo no chão ou no fogareiro; na casa do rico, o fogo na lareira. Na casa daquele, comem-se pinhões e batatas assadas nas brasas, contam-se histórias diversas, incluindo-se as de assombrações; na deste último, consomem-se acepipes mais finos regados ao vinho, declamam-se poemas, pratica-se e se ouve música cantada e instrumental.

– Desta vez sou obrigado a concordar com você; na verdade, o que quis dizer é cada família tinha a reunião que merecia, segundo sua condição social. E Tatão explica:

– As circunstâncias variavam, mas o propósito, assim como o fogo, era o mesmo: estreitamento das relações humanas; o que muito falta nos dias atuais. Veja que, em muitos casos, entre pobres e ricos, igualmente, essas reuniões extrapolavam o círculo familiar, incluindo vizinhos e amigos mais íntimos. Esses agrupamentos, somados em toda a comunidade, resultavam em ideias e projetos, especialmente, na área de eventos, por meio dos quais se dinamizava a economia local e aflorava a cultura calcada em antigas tradições. Grandes festas, como as do padroeiro ou padroeira, podiam se organizar a partir de ideias surgidas no inter-relacionamento desses grupos. A economia, então, ganhava impulso com o trabalho das quitandeiras, costureiras, bordadeiras, sapateiros e outros, cuja demanda crescia por ocasião de tais eventos. Todos os produtos do trabalho local se viam em comercialização direta ou nas quermesses e leilões.

– Nem sempre essas reuniões se davam na cozinha, em volta do fogo – observa Dolores.

– Era isso que eu queria lembrar a vocês, porque ao se aproximar o verão, as reuniões se deslocavam da cozinha, para as varandas ou jardins dos mais aquinhoados e para a porta da frente das casas mais pobres – completa Chiquinha, que continua – não se esqueçam de que ganhavam outra conotação, por serem mais abertas, mais próximas do público. No interior da casa havia um quê de intimidade, de quase segredo nos assuntos abordados, que podiam ser mais sérios e restritos ao grupo. Ao se deslocar para frente da casa com o calor, as reuniões se transformavam em puro lazer. Pessoas estranhas, eventualmente, se integravam ao grupo em bate-papos. Crianças e jovens se espalhavam na rua, para a brincadeira de roda; para o jogo do pegador; o jogo da maré, hoje dita amarelinha; o jogo do finca; jogo da birosca ou bolinha de gude, hoje, bolinha de vidro; para o jogo da peteca; do pular corda, e muito mais.

– Interessante era o tratamento dispensado às crianças menores – é Narita com a palavra – na varanda do rico, a babá estava a postos para cuidar delas, muito limpinhas e defendidas contra todos os perigos; à frente da casa do pobre, elas brincavam na terra, juntando areia trazida pela enxurrada e acumulado no canto da rua. Nesse momento, nota-se que Manelão mostra ar zombeteiro, pronto para intervir com alguma brincadeira ou pilhéria. É Tatão que o faz soltar a língua:

– Que é, Manelão?

– É que me lembrou algo engraçado, ouvir falar babá.

– E o que há de engraçado na palavra babá, homem de Deus? – indaga Chiquinha, impaciente.

– Na palavra, em si, nada, mas transposta para a situação atual, pode ficar engraçada.

– Não entendi nada! – dizem quase todos.

– Ouvi dizer que a presidente assinou uma lei, ou decreto, sei lá; coisa de governo. Diz a tal lei ou decreto que toda profissão deve ter o nome de acordo com o sexo do profissional. Assim como ela exige ser chamada “presidenta”, no feminino forçado, ao invés de presidente, que é o normal.

– Isso deve ser alguma brincadeira – diz Dorinha.

– Não é, não – defende o Mário – Manelão tem razão. Eu li a tal lei, que está em vigor desde abril do ano passado. Corre a maior gozação na internet. Só mulher é dentista, porque o homem é dentisto; comerciante, sendo mulher vira comercianta; homem ao volante, pode ser condutor ou motoristo.

– Por isso quero saber como se chamaria o homem que cuidasse de crianças? Seria babó, babô, ou bobó?

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