Coisas de ontem... e de hoje XXXIX

02 de Fevereiro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

– Resumidamente, essa foi a razão pela qual o dito governamental ficou pelo não dito com relação ao nosso ramal ferroviário – esclarece Tatão, que continua: – Vocês dizem que não tinham conhecimento da Lei nº 111 e, realmente, ela se apagou da memória da comunidade, mas a frustração deixou marcas no inconsciente coletivo. No fundo, bem no fundo, acreditava-se que o ramal ainda seria construído. Todos devem se lembrar da reação popular diante de algum trabalho topográfico em realização nas ruas e cercanias; não se podia ver teodolito em uso, sem que isso fosse associado à construção da ferrovia. Até mesmo as primeiras medições para locação da atual rodovia, a população local pensou na ligação ferroviária com a estação Dom Bosco. Esse sinal de carência coletiva diminuiu, gradativamente, com a consolidação da rodovia e despareceu, por completo, quando ela foi asfaltada.

– Se analisarmos bem, a transição do século dezenove não foi nada boa para Cachoeira – comenta Dolores – Vejam que, em 1881, inaugura-se o ramal Ouro Preto da Estrada de Ferro D. Pedro II, mais tarde renomeada para Estrada Férrea Central do Brasil-EFCB. A ferrovia foi grande melhoramento, em termos de transporte de pessoas e de mercadorias, para o país e para a região de Ouro Preto, de forma geral, mas para Cachoeira do Campo, em particular, cuja estação ficou tão distante, ela não ajudou muito; pelo contrário, chegou a prejudicar.

– Prejudicar? – indaga Dorinha, um tanto surpresa.

– Sim, prejudicar – continua Dolores – Antes da ferrovia todo o transporte de mercadorias era dependente das tropas. Cachoeira era grande centro de tropeiros e, por intermédio desses, tudo que se produzia na região se escoava em lombos de burros. Daqui partiam tropas para os estados da Bahia, do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, sem falar na Zona da Mata mineira, onde quase a totalidade do comércio era abastecida por aqueles pioneiros, procedentes de Cachoeira. A ferrovia foi o começo do fim daquela atividade, que empregava grande número de pessoas, não só no transporte em si, como em atividades e tarefas afins, como a criação de animais e sua manutenção.

Tatão faz sinal a Dolores e intervém:

– Isso, sem falar em atividades, profissões e ofícios em paralelo com a existência e movimentação das tropas e tropeiros. Enquanto tropeiros circulavam a distribuir mercadorias, um sem número de outras pessoas cuidava de fabricar os apetrechos usados pelos animais de carga e pelos de montaria. Assim é que Cachoeira se constituía em grande centro produtor de artigos para animais de montaria e de carga: todos os apetrechos feitos em couro ou em crina. E grande parte dessas peças incluía elementos metálicos, como argolas, fivelas; o que demandava profissionais para forjas e ferrarias, onde também se fabricavam as indispensáveis ferraduras, estribos, esporas, etc. Também para essa área, a chegada do trem foi o começo do fim! – Tatão se volta para Dolores, que prossegue:

– Ocupados e preocupados com o nosso quotidiano, cujas dificuldades às vezes consideramos insuperáveis, não nos damos conta do que foi a vida dos nossos antepassados para que nós vivamos a nossa. Somente em momentos de reflexão como este, podemos avaliar um pouco das dificuldades que as gerações de então tiveram de superar. O fim do século dezenove não foi fácil para os cachoeirenses. A ferrovia deslocou o eixo do desenvolvimento, deixando a comunidade isolada e a estrangulando economicamente; logo em seguida vem a República com outras formas de interação povo/governo, novas exigências, muitas novidades das positivas e outro tanto das negativas; tudo em curtos intervalos de tempo, culminando com a transferência da capital do estado.

– E foi aí que o bicho pegou – completa Quinzão – Já ouvi relatos diversos do que se passou com muita gente, tão logo se consumou a transferência do governo para a então, Cidade de Minas, nome que antecedeu o de Belo Horizonte.

– Também eu ouvi do meu avô casos tristes; ou seja, de completa reviravolta na vida de pessoas – é Mário que comenta.

Tatão ouve diversos do grupo a fazer comentários sobre o que se sabe sobre a mudança da capital e, então arremata:

– Na verdade, meus amigos, o governo se levantou, sacudiu as pulgas e se foi, sem olhar pra trás!

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