Coisas de ontem... e de hoje LX

22 de Junho de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Manelão continua de pé, a fazer suas pantominas, debochando da dança da quadrilha, mas, percebe-se que faz isso mais para provocar sua mulher, que muito ri, enquanto tenta lhe mostrar o quanto se engana na avaliação daquela manifestação cultural. A informação de Tatão com relação à existência de bucha não incendiária para balões juninos o faz recompor-se e voltar para aquele:

– Mas, isso que você diz é muito bom, pois reabilita os balões e, quem sabe, pode motivar a recuperação de, pelo menos parte, da originalidade das festas juninas. E com sorriso maroto, vira-se para Chiquinha, acrescentando – Pode ser que até também passe a gostar da quadrilha. E por que não se divulga isso?

– Como já disse, – responde Tatão – parece haver interesse na continuidade da proibição. Neste país, qualquer interesse mesquinho se sobrepõe a valores culturais.

– E como é essa nova bucha? – querem saber Quinzão e Mário.

– Não conheço maiores detalhes; parece-me que é à base de amianto e a fonte de informação garante que o balão cai apagado.

– É estranho – comenta Dolores – sé é assim, não mais existe perigo de incêndios, o que autoriza a reabilitação dos balões juninos.

– Vocês se esquecem da navegação aérea.

– Não vejo como balões podem oferecer perigo aos aviões – reclama Quinzão, acrescentando – creio ainda pode haver perigo nas proximidades de aeroporto, onde até mesmo aves são vilãs. Então que a proibição se restrinja às proximidades de aeroportos. Aviões modernos voam a mais de dez mil metros, altitude não alcançada por balões juninos.

– Tenho a mesma opinião – informa Tatão – E quanto ao perigo oferecido por aves nos aeroportos, penso também que a indústria aeronáutica já poderia ter resolvido o problema. Bastaria que se instalasse, à frente da turbina, grade protetora especialmente desenhada de forma a impedir a sugação de aves pelo equipamento. Mas, como não é todo dia que ave é engolida por turbina, preferem o desafio contínuo ao perigo. Mas, fora da área de aeroportos, balões juninos, assim como as aves, não oferecem risco às aeronaves; assim penso.

– É preciso conhecer a nova técnica dos balões – é Manelão, tentando dar continuidade ao assunto.

– Estou curiosa com esse súbito interesse seu – diz Chiquinha.

– É a oportunidade que tenho de fazer algo que sempre quis, mas fui impedido pela proibição.

– Depois de velho, Mané?

– Velhice é estado de espírito; e eu não me sinto assim. Seja velho quem quiser! Eu não!

– É assim que se fala, homem; todos nós concordamos com você – é o apoio da Dorinha.

– Se você assim pensa e assim quer, com relação ao balão junino, mais gente pode se interessar no resgate de outros valores, outrora agregados aos folguedos juninos – Observa Lazinha.

Dolores, atenta ao desenrolar da conversa, usa a observação da Lazinha como gancho:

– Uma das minhas lembranças relativas às festas de fogueira é a leitura da sorte, tradição muito cultuada entre as jovens de então, ansiosas por antever o que lhes reservava o futuro, no campo sentimental.

– Misturada à leitura da sorte, havia também sortilégios e superstições – é Chiquinha, que ainda acrescenta: – Entre as superstições havia aquela da bacia com água, onde pessoas se miravam na manhã do dia de São João. Dizia-se que umas se viam, normalmente, e outras não viam seu rosto refletido na água. As que não viam é porque morreriam ainda naquele ano.

Dorinha, meio assustada, indaga:

– E você sabe de alguém que não se viu e morreu?

– Nunca soube de alguém que não tivesse visto. Mas, há que reconhecer que bem poucas pessoas tinham a coragem de se mirar como se sugeria; eu mesma nunca me arrisquei.

– Então você acreditava – ataca Tatão.

– Não é que acreditasse, mas mantinha um pé atrás, por precaução. “Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay”!

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