Coisas de ontem... e de hoje LXX

31 de Agosto de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

– Gente, vamos voltar às nossas recordações? Já chega de ruminar coisas que cabem a outros resolver – é a Narita a demonstrar insatisfação com o desvio do bate-papo – O que relembrávamos antes disso tudo?

Quem acode com o tema então foco é a Dorinha:

– Falava-se das festas juninas e a Chiquinha teceu impressões sobre espécie de sortilégio, que consistia em pessoa se mirar numa vasilha com água. Seu rosto refletido na água seria sinal de vida longa; se não visto o próprio rosto, era indicação que a pessoa morreria ainda naquele ano. A Chiquinha disse, na ocasião, que nunca experimentara o sortilégio.

E vem a confirmação da Chiquinha:

– Nunca soube de alguém que não tivesse visto. Mas, há que reconhecer que bem poucas pessoas tinham a coragem de se mirar como se sugeria; eu mesma nunca me arrisquei. Não é que acreditasse, mas mantinha um pé atrás, de acordo com Cervantes: “Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay”!

À revelação da Chiquinha, com relação a ver, ou não, o próprio rosto refletido na água na manhã do dia de São João, sucedem-se brincadeiras e gozações. A dúbia posição, assumida por ela, é a mesma assumida pela maioria das pessoas diante do desconhecido. E ela confirma:

– Como a maioria das pessoas, não quero saber como e nem quando vou morrer. Imaginem como ficaria, se, por uma causa inusitada, não visse o meu rosto!

– E é aí que mora o perigo – adverte Tatão que, em seguida, esclarece o que pensa. – Por puro medo ou outro motivo, a pessoa não se vê e, no caso de ser sugestionável, aceita como certa a morte sugerida na proposição. As possibilidades de essa morrer, conforme o falso presságio, atingem o máximo, na mesma proporção do medo que assalta. Quem determina é a mente da pessoa e não a proposição; esta apenas sugere.

– Ouvi algo a respeito de feitiços, que afirma o mesmo dito por você – intervém Lazinha.

– É a mesma coisa; o feitiço não se realiza por força do feiticeiro e sim por fraqueza mental do enfeitiçado. Nem é preciso segunda ou terceira pessoa para que a sugestão seja feita. A própria pessoa pode se sugestionar, estabelecendo relação entre situação vivida e fator externo e alheio à mesma situação.

Pela cara de interrogação do grupo, Tatão percebe não ter-se feito entendido.

– Vou ilustrar com pequena história. Conta-se que rapaz, ainda bem jovem, está doente, acamado, porém nada indica que corre perigo de morrer. O médico diz que o tratamento é demorado, porém positivo quanto ao seu perfeito restabelecimento. Sua cama fica junto à janela, através da qual ele vê uma árvore no jardim. É princípio de outono e, como é natural, suas folhas começam a cair. Embora bem assistido e cuidado pelos familiares, o doente se mostra apático, desanimado. Certa manhã, ao perceber que poucas folhas restam na árvore, estabelece correlação entre o número de folhas e o tempo que lhe resta de vida. Ele confidencia isso ao irmão, que o repreende por pensar dessa maneira. Apesar das palavras estimulantes do irmão, o doente continua com aquela ideia fixa e entra em processo de enfraquecimento. O número de folhas se reduz e seu estado piora no mesmo ritmo. Ele mantém o olhar na árvore e afirma que tem poucos dias de vida, até que se vê apenas uma folha. O doente entrou em estado crítico. Veio o fim do dia e aquela folha ainda estava em seu lugar. O irmão antevendo o que poderia acontecer se ela caísse, esperou a noite, quando o doente estivesse a dormir. Subiu até junto à folha e por meio de cola especial garantiu sua fixação por algum tempo. No dia seguinte, ao ver a folha, o rapaz acamado esboçou um sorriso e manteve o olhar sobre ela durante todo o dia. No dia subsequente, ele já se mostrou mais animado e assim continuou, até que se restabeleceu completamente.

Dorinha pergunta – Será que ele teria mesmo morrido, se não fosse a providência do irmão?

– É provável que sim – confirma Tatão – Somos o que pensamos! Portanto se pensamos que vamos morrer, a despeito de, naquele momento, o estado de saúde não indicar, dali em diante ela pode deteriorar. Vocês viram e ouviram o Manelão dizer que velhice é estado de espírito e ele não se sente velho. Se pensasse diferente, talvez não estivesse aqui conosco, valendo a mesma conclusão para qualquer um de nós. Com ligeiras variações, todos deste grupo pensam como ele.

Manelão, envaidecido com o comentário, continua a chamar atenção do grupo para o que ele pensa sobre as festas juninas.

– Ainda é tempo de recuperar, pelo menos, parte do que foram aqueles folguedos.

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