Coisas de ontem... e de hoje LXXI

08 de Setembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Estimulado pelas palavras do Tatão, Manelão continua:

– Considerem, por exemplo, o “casamento na roça”, antecedido por extenso cortejo por toda a localidade; os “noivos” numa carroça e o sanfoneiro a puxar músicas específicas para a ocasião. Por onde passava, o cortejo arrastava o povo para o local da festa; as pessoas vestidas de acordo, a cantar, dançar e lançar vivas “aos noivos” eram uma alegria só por toda a noite. Não faltava a fogueira, a fartura do quentão, canjica, pé-de-moleque, pipoca e outras guloseimas, de graça, para todos.

Dolores corta o discurso do Manelão:

– Falta esclarecer, aos que não vivenciaram aqueles momentos, como era possível a participação gratuita. Era possível porque essas festas, na maioria das vezes, eram feitas, pelo sistema de mutirão. Quem podia dava o leite, outros forneciam o milho, o tempero; o mesmo acontecendo com o quentão, doces, etc. E havia quem participava com a mão de obra, na cozinha e tudo o mais. As festas ainda não eram meios de arrecadação de recursos, porém, pura diversão e momentos de confraternização. E também por isso, tudo era feito com amor e esmero, para que todos pudessem apreciar.

– Eu não me esqueci disso. Esse esclarecimento viria depois. Aliás, esclarecimento coisa nenhuma; apenas relembranças pois, afora Dorinha, creio que todos nós vivenciamos esse tempo.

– Aí é que você se engana, Manelão, pois bem me lembro de algumas dessas festas. Embora então muito criança, retenho na memória passagens interessantes. O “casamento na roça”, por exemplo era muito engraçado. E numa dessas festas, ao subir para o palanque, onde a “cerimônia” se realizaria, a “noiva” caiu e rolou de pernas pro ar. Na hora foi um susto danado, imaginando-se consequências danosas. Felizmente, ela não se machucou e o episódio ainda serviu para as brincadeiras de ocasião.

– E você sabe que aquela “noiva” é minha prima? – pergunta a Lazinha, que continua – E o mais curioso é que aquela encenação de casamento acabou em casamento de fato. O rapaz estava a serviço, na região, por ocasião das festas juninas e, como era muito comunicativo, extrovertido, logo fez amizades. Foi convidado a participar. Minha prima, participante ativa dos teatros da escola, portanto bem cotada para a encenação do “casamento na roça”, acabou escolhida para o papel de “noiva”. Daquele “casamento” eles já saíram namorados, noivaram, casaram-se um ano depois e partiram para longe daqui. A última notícia que tive deles é que são bisavós, próximos de se tornarem trisavós.

Enquanto Lazinha fala sobre a prima, Manelão cochicha ao ouvido de sua mulher que, imediatamente, explode em risos. Lazinha, meio sem graça, pergunta: – Gente, que disse eu de tão engraçado?

– Não se trata de você – diz Chiquinha – é mais uma estripulia do meu Mané! – virando-se para o marido, quase que ordena:

– Agora você a tem obrigação de relatar para todos o que me cochichou; se não, fica a impressão que é deboche feito com a Lazinha.

Manelão se põe de pé, faz uns trejeitos, senta-se novamente e começa a narrativa:

– Lembro-me bem do tal “noivo” que virou marido da sua prima, Lazinha! Segundo opinião da minha turma, àquela época, ele era muito convencido e metidinho a besta. Você sabe, a turma na fase da adolescência, surge o sujeito, não se sabe de onde e se põe a cortejar garotas no nosso reduto... ele ficou meio que marcado!

– Ah! então vocês se sentiam meio proprietários do elenco feminino local, disponível! – ataca a Dorinha – os homens sempre com a pretensão de domínio sobre as mulheres.

– Herança genética, minha filha! Afinal, vocês nasceram da costela do homem. Pode-se dizer que Eva foi o primeiro clone humano.

– Cachorro! – finge esbravejar, a Chiquinha, enquanto dá uma gravata no marido. Manelão, por sua vez, bate pernas e braços, simulando estar sendo estrangulado. A mulherada do grupo faz o maior barulho contra o pretenso “machista”. Chiquinha ainda o segura e pergunta:

– Meninas, que faço com ele?

– Enforca-o! enforca-o! enforca-o!

Enquanto isso, os homens até choram de tanto rir. Ao fim de alguns instantes de balbúrdia, já liberado pela Chiquinha, Manelão levanta a voz:

– Vocês querem, ou não, ouvir a história do “noivo”?

– Conta logo – diz a Dorinha – embora se saiba de antemão tratar-se de maldade sua contra o rapaz; tadinho!

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