Coisas de ontem... e de hoje LXXII

15 de Setembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Misturada ao vozerio, risos e chacotas, Dorinha aponta Manelão como inveterado praticante de maldades.

– Da sua juventude, ainda não ouvi relato que não tenha sido ato de maldade contra alguém. Você era capaz de praticar uma boa ação? Duvido que sim, mas conte logo essa traquinagem.

Manelão dá um sorriso matreiro antes de responder com outra pergunta:

– Boa ação? Você cobra de mim boa ação? Pois aí vai uma: momentos de risos como este, que não existiriam, se não fossem as muitas que já aprontei e conto para vocês!

– Eh, eh, eh! Dorinha. Manelão marcou ponto! – comenta Quinzão, logo emendado por Tatão:

– A cada lágrima corresponde um sorriso!

– Filosofias do Tatão... na falta de Platão! – zomba a Dorinha, enquanto acaricia as costas do “filósofo” ao lado, antes de se voltar para o Manelão:

– Conta logo, sô!

A essa altura faz-se silêncio, Manelão olha à sua volta e se sente o senhor da situação. É disso que gosta, antes de iniciar cada história sua.

– Eu até me lembro do nome do tal “noivo”, que virou marido de fato da prima da Lazinha. Tinha um nome engraçado: Jacinto.

– Tinha, não! Tem, pois é vivo ainda. E não sei por que o nome é engraçado – corrige e protesta Lazinha.

– Pelo menos naquela situação era muito engraçado e vocês saberão o porquê – devolve Tatão, continuando:

– O Maracujá ainda tinha água e, pode-se dizer, quase potável. A qualquer momento, podia-se sair de casa, postar-se em algum ponto de suas margens com apetrechos de pescaria e voltar, algumas horas depois, com o samburá recheado de lambaris, piabas, bagres, jundiás. Pouco à montante da ponte, hoje existente, à saída para Ouro Preto, o riacho caía de espécie de degrau, rolava pela pedra lisa e ia empoçar-se em sua base, para então seguir seu curso.

– Tá enrolando, Manelão – protesta Dorinha.

– Ora, deixe meu Mané primeiro descrever o cenário.

– Cenário do crime, você quer dizer, Chiquinha! – Devolve, Dorinha, sarcasticamente.

– Pois, bem – prossegue Manelão – uma das diversões dos meninos, àquela época, era banhar-se naquele poço, onde cabia bem um mergulho. A pedra percorrida pela água formava espécie de tobogã, que servia para incrementar ainda mais o “balneário”. Certa vez, eu e um companheiro...

– Comparsa, você quer dizer – interrompe, Dorinha, novamente.

– Tanto faz! Mas, como ia dizendo, o local era conhecido como Vai-e-Vem, não sei por qual razão. E, como era verão, tempo de gabiroba, fruta muita farta perto dali, estávamos à cata delas. De repente, através da densa capoeira, então existente em volta daquele ponto do rio, ouvimos murmúrios. A curiosidade nos fez avançar, pé ante pé, entre as pequenas árvores, cuidando para não sermos vistos ou ouvidos além do ponto onde estávamos. Ao alcançarmos posição de onde se via toda a área do poço e escorregador, constatamos a presença de três rapazes, incluindo-se Jacinto, o “noivo” do qual se fala. Eles se dirigiram para trás de grande pedra, mesmo à nossa frente, à margem esquerda do Maracujá, dando indícios de que ali se despiriam para entrar na água. E foi o que aconteceu.

– Ficaram peladões? – é a curiosidade da Dorinha a provocar chistes, mais risos do grupo e a reação do Manelão:

– Por e para que você quer saber isso agora, mais de meio século depois dos fatos? Mas não lhe sonego a informação, se esta a satisfaz. Contudo, creio que a resposta frustra a sua curiosidade, pois todos estavam munidos de calções de banho. Deviam ter saído de casa com aquele propósito. Tá satisfeita? – Manelão se mostra sisudo, para dar a impressão de uma bronca na Dorinha, mas, na verdade, está mais para brincar e zombar de sua curiosidade. Ela, por sua vez, está por conta de provocá-lo:

– Você enrola muito, vai e volta nos “entretantos”, mas nunca chega ao “finalmente”!

Agora quem se manifesta é o Quinzão:

– Ora, Dorinha, sua exigência se mostra incoerente, pois você mesma o interrompe a todo o momento. Se não fossem suas interrupções, ele já teria chegado lá, há muito tempo.

– Obrigado Quinzão – diz Manelão – se existe segunda adolescência, a menina aí deve estar fundo nela!

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