Coisas de ontem... e de hoje LXXIII

22 de Setembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Dorinha, decidida a atazanar o Manelão, torna-se ainda mais “indócil” depois que ele a chama de adolescente; tudo em nome da descontração, da pilhéria ou como o próprio Manelão denomina, “desopilação do fígado”. E ela continua:

– Chiquinha, dê jeito no seu Mané; ele tá enrolando demais!

– Deixe que ele conte, no seu tempo e do seu jeito; não adianta apressamento forçado – é a resposta ouvida.

Manelão retoma a narrativa:

– Os três visitantes entraram na água e eu mergulhei na imaginação, a arquitetar meio de surpreendê-los. Entretanto, de dentro da água, eles poderiam nos ver facilmente, se descêssemos até onde estavam suas roupas.

– Você pensava em subtrair-lhes as roupas? – Indaga Lazinha.

– Nada disso.

– O quê então? – é a Dorinha novamente.

– De repente – continua Manelão – algo do outro lado do rio chamou a atenção dos rapazes. Eles saíram da água e se embrenharam no mato. Não víamos nada de especial e nem tampouco ouvíamos qualquer ruído, afora o da água a rolar. Era a sorte a me favorecer.

– A favorecer a maldade, isso sim – intervém Dorinha. E Manelão continua:

– A poucos passos dali, havia visto planta especial, que me dera uma ideia. Se os três demorassem o suficiente, poderia pô-la em execução. Sugeri ao amigo que permanece no local, a vigiar, enquanto eu me afastava em direção à planta em questão. Com muito cuidado, apanhei bom punhado delas, acondicionando-as numa folha grande de capeba, também abundante na região. De volta ao local, de onde partira, o amigo informou que nada, de especial, acontecera. Foi então que revelei ao amigo o que pretendia fazer. Tive de tapar-lhe a boca com a mão, pois quase explodiu em gargalhada, revelando, assim, a nossa presença. Foi quando vimos que estávamos mais seguros, com relação aos três pelos quais não queríamos ser vistos. Pelo movimento de arbustos na vegetação mais afastada, constatava-se que eles estavam longe, de onde, provavelmente, não nos veriam. Portando a folha de capeba, enrolada em forma cônica, a conter as folhas miúdas, desci ao local. Peguei a calça do Jacinto, facilmente identificável pelo “J” ostentado pelo cinto, além de ser a única na cor preta. Meti boa quantidade das folhas em cada perna da calça e retornei ao ponto de origem, muito apreensivo com possível retorno dos rapazes, antes que eu me escondesse. Felizmente, eles ainda permaneciam longe da margem.

– Que folhas eram, Manelão? – indaga Lazinha.

– No momento certo, vocês saberão.

– Já desconfio quais teriam sido – adianta Quinzão – entretanto não tiro do Manelão o gosto do impacto.

– Durante algum tempo, sofri a impaciência da espera, enquanto meu companheiro ria, antegozando o fato aguardado. Ao cabo de cerca de quinze minutos, eles retornaram, e mergulharam novamente. Antes disso, depositaram, à margem, um tatu; explicação para o repentino afastamento deles. Mais algum tempo e se dirigiram para a pedra grande, onde estavam as roupas. Prendi a respiração quando o Jacinto se sentou, apanhou a calça e meteu, de uma só vez, aquelas pernas branquicentas. Ouviu-se então:

– Uauuuuuuuuuuu...

– O urro quebrou o silêncio ao longe e chegou a assustar-me, embora esperasse reação; mas esta foi além da conta. O pior é que seus companheiros correram e se puseram ao longe, sem entender o que acontecia. Creio terem pensado num surto de loucura. Em seguida ao grito, o rapaz se pôs a saltar e rolar no chão, alternadamente. Ele ficou tão confuso que não percebia que o problema estava na calça. Confesso que me arrependi do malfeito, mas isso não aliviava o sofrimento do Jacinto. Ao cabo de algum tempo, um dos companheiros aproximou-se, muito devagar, talvez temeroso quanto a possível agressividade do amigo. Depois de examinar à volta do rapaz, ele deve ter percebido o que acontecia, pois disse ao Jacinto para que se despisse novamente. A essa altura, o terceiro do grupo já se aproximara também, e, ao verem as folhas e o estado das pernas do Jacinto foi a vez de eles gritarem palavrões e impropérios.

– O desgraçado que fez isso deve estar por perto! Vamos caçar esse fdp! Vamos fazê-lo comer as mesmas folhas, porco do inferno!

– Compreendi que estava na hora de escafeder-me – confessa Manelão.

– E que folhas eram? – pergunta Dorinha.

– Eram folhas de urtiga!

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