Coisas de ontem... e de hoje LXXIV

30 de Setembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A revelação, ao fim da narrativa do Manelão, provoca mais uma explosão de gargalhadas e de “críticas” ao seu comportamento antissocial. Como não podia deixar de ser, estando isso evidente desde o início, Dorinha é quem mais provoca o narrador:

– Dizem que o inferno é neste mundo e o diabo não passa de pessoa, que vem com propósito de tumultuar a vida do semelhante, tentá-lo ao cometimento de maldades e levá-lo para o lado mau. Você era mesmo um capeta!

– Ainda bem que você disse era. Eu me sentiria muito mal se dissesse o verbo no presente.

– Como você se casou com a Chiquinha, eu lhe dou crédito; mas, ela deve ter sofrido na batalha por sua regeneração.

– Que nada! Ela é que foi premiada com marido alegre, brincalhão, extrovertido.

– Convencido – rebate Dorinha, ao mesmo tempo em que se dirige à Chiquinha:

– Esfregar urtiga no corpo de pessoa é o cúmulo da maldade. É preciso ser muito cruel para fazer isso! Que fez para domar esse cara?

– Dei carinho, uai!

Manelão ouve, ri com o grupo e prossegue:

– Naquele momento, ao ver a cena lá embaixo, o rapaz a gritar e sem entender o que acontecia, desejei ter o poder de dar retrocesso no tempo. Confesso que me bateu o remorso e quase chorei também!

Tatão, então, faz a observação:

– O sofrimento do Jacinto deve ter sido terrível. O que causa a espécie de queimadura é o ácido fórmico, presente nos pelinhos exibidos pela planta.

– Dei-me conta de que corria perigo, se ficasse por mais tempo naquele local, pois, era evidente que sairiam em “caçada” do malfeitor. Com cuidado, abaixados para movimentar a folhagem, esgueiramo-nos dentro da capoeira, até alcançar boa distância, fora do raio de visão de quem situava às margens do rio. O coração quase saltava à boca, pelo esforço da subida pelo mato e pelo temor de ser apanhado.

– E os três continuaram lá no rio? – indaga Lazinha.

– Sim. E isso foi a nossa salvação; ganhamos tempo para sair do espaço, onde o perigo era maior. Seríamos trucidados, se descobertos; essa foi a conclusão a que chegamos ao ver a reação.

– E em que direção vocês fugiram? É a vez de o Mário demonstrar curiosidade.

– Em direção ao que se chamava, àquela época, “Campo da Gabiroba”. Já mais tranquilos, alcançamos o tal campo, onde vários grupos de pessoas catavam da fruta. Mas, para não levantar suspeitas, contornamos o ponto onde estavam e nos postamos mais acima, deixando que eles nos encontrassem, enquanto subiam. Passamos-lhes a impressão de ter vindo por cima. Percebemos que falavam sobre os gritos ouvidos. Depois de algum tempo recomeçamos a subida, em passo bem apressado e sem olhar para trás. Ao passar por trecho a ostentar arvoredo de por maior, bati com a cabeça em algo e, logo em seguida, senti meu rosto ser picado e se afoguear. Sem entender o que acontecia, instintivamente, levei as mãos ao rosto, na tentativa de me livrar daquilo que me incomodava. Só então percebi que estava todo envolto por enxame de marimbondos. Meu companheiro de aventuras correu, distanciando-se de mim, enquanto eu corria em sua direção, ansioso por ajuda. Em dado momento, ele caiu e ficou estirado no chão. Imaginei que tivesse sido atacado também. Em meio a nova explosão de gargalhadas, Dorinha volta ao ataque:

– Bem feito! Diz-se que “um dia é da caça e outro do caçador”. No seu caso, nem foi o dia, porém o momento seguinte. O castigo não “veio a cavalo”, mas munido de marimbondo, que se desloca mais rápido e quase não tem obstáculos no caminho. Aqui se faz, aqui se paga; e pagou na mesma moeda!

– Gente, eu já estava arrependido!

– Estava arrependido, mas continuava em débito; tinha de pagar – retruca Dorinha.

– E o mais interessante – intervém Tatão – é que Manelão, literalmente, provou do mesmo veneno.

– Como assim? – pergunta Dorinha.

– O veneno (ácido fórmico), contido em plantas como a urtiga e o cansanção, é o mesmo inoculado por formigas, marimbondos, abelhas e vespas, em suas picadas.

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