Coisas de ontem... e de hoje LXXVI

14 de Outubro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Enquanto as gozações prosseguem em torno do Manelão, Dolores ainda tem curiosidade a ser satisfeita:

– Não entendo o porquê de, no início do relato, você ter dito que o rapaz tinha nome engraçado.

– Ora, Dolores, você não percebeu? O nome não era ou é engraçado por si só. As circunstâncias o tornaram assim para mim e para o amigo, que me acompanhava, e com o qual compartilhava deboches em torno da vítima.

– Ah é? Além do sofrimento imposto, você ainda debochava do rapaz? – é Dorinha a fustigar o Manelão.

– Enquanto aguardava o desfecho da ação, eu e o amigo nos perguntávamos: “o que você já sente?” e o outro respondia algo como, “já sinto o corpo a arder”. Fazíamos trocadilhos de todas as formas. Mas a ironia estava a me perseguir. Pouco tempo depois do ataque dos marimbondos, quando tomávamos o rumo da região, hoje habitada e conhecida como Vila Alegre, o companheiro se encheu de coragem e perguntou: – e agora, Manelão, você já sente o quê? Confesso que tive ímpetos de cobri-lo de porrada, mas me contive, praguejando e caindo na gargalhada. Até para rir era difícil, pois, em razão do inchaço o meu rosto se tornou u’a massa disforme. Por isso eu disse que o nome era engraçado.

– E como foi a chegada à sua casa? O pessoal se assustou? – quer saber o Mário.

– Em casa, todos já eram acostumados às minhas travessuras. Somente a mamãe perguntou: “o que foi isso, meu filho?”. Ante a resposta de que tinha sido atacado por marimbondos, uma das minhas irmãs comentou: “de graça eles não te picaram!”. E foi só. Mas, outra situação tive de enfrentar ao nos aproximarmos das primeiras casas, quando se vinha do alto da Cruz do Monge. Grupo de molecotes estava a jogar finco à frente de uma das casas, quando o que parecia estar na liderança, vendo-me, disparou: – “gente, o que é aquilo?” – “É um bicho?” – A molecada toda se assanhou, dando mais forças ao primeiro, que se revelou pra lá de audacioso, aproximando-se de mim na tentativa de me tocar no rosto inchado. Ele tinha, numa das mãos, a pequena barra de ferro pontiaguda, com a qual jogavam. Em eventual confronto aquilo era arma terrível, mas a raiva que senti foi superior ao medo. Dei-lhe empurrão, ele recuou e tropeçou, caindo de costas. Quando se levantou, voltou-se com o chuço apontado ameaçadoramente. Mais uma vez, desconsiderei o perigo. Concentrei-me no braço que empunhava o chuço, agarrei-o e torci, fazendo-o largar o ferrinho, que apanhei imediatamente. Ao me ver com o chuço na mão, ele se assustou com o que poderia acontecer. À nossa volta já havia juntado mais gente, incluindo-se algumas mocinhas, que formavam plateia mais considerada por mim naquele momento.

– E a Chiquinha estava entre elas? – quer saber Dorinha, imediatamente respondida pela própria Chiquinha;

– Ainda não; só entrei na história do Mané alguns anos depois.

E Manelão continua:

– Num rasgo de valentia, lancei o ferrinho longe e parti para cima do zombador. Pareceu-me ter adquirido mais ousadia e força com o veneno dos marimbondos. Agarrei o atrevido pelo peito da camisa e passei a bater-lhe com fúria. Porradas, contidas momentos antes, em consideração ao amigo brincalhão, eu as descarreguei naquele atrevido. Depois da refrega, seus olhos estavam tão fechados como os meus, com a diferença que os meus não estavam roxos, podendo, dentro de algumas horas, voltar ao estado normal.

– Então, você voltou a pavonear-se – critica Dorinha.

– Recuperei minha autoestima, abalada pelo remorso e rebaixada com ataque dos insetos. Quanto a isso, o melhor veio logo em seguida. O rapaz surrado por mim era considerado o bamba naquela região e em razão disso, o incidente correu célere, de boca em boca, por toda a localidade. Quando alcançamos a parte central, rapazes da mesma faixa etária vieram solidarizar-se comigo.

– Mas, àquela época já havia gangues de rua?

– Não eram propriamente gangues, Dorinha – é Tatão quem responde – eram grupos formados para brincadeiras de rua, mas, pode-se dizer que foi a partir deles que se desenvolveram as tão temidas gangues de hoje. Uma das brincadeiras era o esconde-esconde, cujo campo de ação deixou de ser limitado ao raio de alguns metros, expandindo-se para toda a localidade. Nesse caso passou a valer invasão de quintais para se esconder, o que acabou por ensejar acidentes e incidentes.

Nesse ponto, Tatão é interrompido por Quinzão:

– Parente meu teve um pé mutilado em acidente desses; ao saltar muro, seu pé bateu em caco de vidro... foi salvo pelo cão da casa, que chamou a atenção de terceiros com latidos insistentes junto ao ferido.

Chiquinha, para provocar Dorinha, exclama:

– E depois de tudo aprontar, ele ainda saiu por cima! Este é o meu Mané!

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