Coisas de ontem... e de hoje LXXVII

20 de Outubro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Por algum tempo, é tudo uma algazarra só entre os integrantes do grupo. Fazem blague com cada passagem e detalhe do episódio narrado, enquanto o Manelão se pavoneia a repetir palavras e gestos mais hilários. Como sempre, Dorinha é a que mais implica com o amigo, sabendo que qualquer palavra sua provoca-lhe reação de humor, o que mais, nele, ela aprecia. E lhe declara:

– Eu o aprecio muito, em seu modo de ser; não leve em consideração minhas impertinências que, muitas vezes, podem parecer agressivas. Digo-lhe que não o são e têm outro propósito.

– Sei disso, Dorinha. E como eu gosto de ser freguês das gozações dos amigos, também reajo de forma, às vezes, contraditória, só para polemizar.

– Taí, Manelão, você disse algo que me leva a curiosidade, que me espicaça. Freguês nos leva a freguesia, palavra que vi empregada com sentido diferente do usado regularmente. Conheço a palavra no sentido de clientela. Entretanto, em documento antigo vi a palavra “freguesia” ligada à Igreja. Você sabe algo a respeito disso?

– Olha, Dorinha, não sei bem, mas tenho a impressão que se refere a paróquia – e, apontando para o Tatão, sugere perguntando:

– Já consultou nossa enciclopédia ambulante?

Mas, antes que o Tatão entre na questão, Dolores confirma:

– Segundo meu entendimento, freguesia era como se chamava paróquia, antigamente. Não é, Tatão?

– É isso mesmo. Até há alguns anos, falava-se freguesia, referindo-se a paróquia, mas, na verdade, eram resquícios dos períodos colônia e monárquico quando, então, tudo na administração pública seguia padrões portugueses.

– Mas, se era o mesmo que paróquia, que tinha administração pública com o assunto?

– Aí é que está o xis da questão. Assim como em Portugal, no Brasil, o catolicismo era religião oficial, ou seja, ligada ao Estado. O país era dividido em províncias (estados) por sua vez, divididas em municípios, que podiam (ou não) ser divididos em freguesias (distritos) que coincidiam com as freguesias eclesiásticas; logo paróquia e freguesia eram sinônimas.

– De acordo com o que você diz, cada freguesia da estrutura administrativa civil correspondia a uma freguesia da estrutura eclesiástica – é o Quinzão a querer esclarecimentos.

– Perfeito. Era conveniente que assim fosse, porque naquela época padres e bispos eram funcionários públicos, pagos regiamente pelo governo português, primeiramente, e depois pelo governo imperial brasileiro.

– O quê? – espanta-se Manelão – Padres e bispos pagos pelo governo?

– Ora, Mané, você não sabia disso? – reage Chiquinha ante a ignorância do marido sobre o assunto.

– Mas, que bocada! – volta Manelão – Assim, até eu queria ser padre. Nasci no tempo errado!

– Entretanto, não pense você que era fácil se ordenar padre. Antes de qualquer decisão e aceitação do noviço no seminário, havia a questão étnica, pois, somente os de “sangue puro” (não mestiços) podiam ser aceitos; não se esquecendo também da questão econômica, pois havia que custear os estudos, fora do alcance da grande maioria, pobre e analfabeta. A formação clerical era rigorosíssima, muitos anos de estudos profundos. Manelão exclama:

– Chiii!!! Como estou mais para a África do que para a Europa, já vi que não tinha para mim!

– Deste grupo, ninguém passaria no primeiro quesito.

– Pelo visto, o funil era bem estreito; poucos logravam o privilégio de vestir batina – observa o Mário, emendado pela Dolores:

– Mas, isso não impediu a ordenação de muitos padres pilantras; havia os bons, dedicados, bons pregadores, considerados santos pela população, mas... – ela é interrompida pelo Quinzão:

– O pároco local, que fugiu à chegada do Manuel Nunes Viana, chefe emboaba, seria um pilantra?

E é Tatão quem acode:

– Você se refere ao episódio do arrombamento da rústica e primitiva igreja-matriz de Nossa Senhora de Nazaré pelo Frei Francisco de Menezes, lugar tenente do Nunes Viana; ele a arrombou e nela sagrou Manuel Nunes Viana, governador das Minas Gerais pela facção emboaba. O padre medroso e fujão foi o Amador Rodrigues, que se embrenhou no mato. Esse episódio é relatado no livro “Cachoeira do Campo, a filha pobre do Ouro Preto”, de Lúcio Fernandes Ramos. Mas não se deve criticar o padre Amador Rodrigues por ter fugido. Naturalmente, que ele preferia ser covarde vivo, ao invés de herói morto.

– E entrou na história como padre medroso e fujão! – conclui Manelão.

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