Coisas de ontem... e de hoje LXXVIII

27 de Outubro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A respeito de Amador Rodrigues, o padre que abandonou a paróquia Nossa Senhora de Nazaré diante dos emboabas, muita curiosidade fica no ar, ainda que Dorinha tente satisfazer-se, e aos demais, com a pergunta:

– E ele não mais voltou, Tatão?

– Se voltou, o fato não se registrou. Mas, seu nome deve constar nos livros da paróquia, caso tenha voltado. Gente, isso aconteceu nos primórdios do povoamento de toda essa região. Para se ter ideia, basta dizer que ainda nem existia Vila Rica, a hoje Ouro Preto.

– Mas, que barato! Diria meu neto – exclama Manelão.

– Barato nada, muitas vidas se foram naquela refrega entre as duas facções, que disputavam o controle da exploração do ouro – explica Tatão, continuando – A briga, que durou dois anos, de 1707 a 1709, teve aqui um dos seus mais encarniçados combates. E foi ao término da chamada Guerra dos Emboabas que o rei de Portugal, em 1711, decidiu pela unificação dos vários arraiais, surgidos em volta das minas de ouro, criando Vila Rica, para melhor controle sobre as minas e compensação pela resistência à investida emboaba. Aqui, a compensação pela afronta e a sacrílega invasão da igreja, foi a criação da freguesia de Nossa Senhora de Nazaré dos Campos de Minas, a primeira no município. E, como freguesia, hoje distrito, em termos civis se equivalia a freguesia religiosa, conclui-se que Cachoeira do Campo é o mais antigo distrito, além do distrito sede. Pode-se dizer que o distrito sede municipal, Ouro Preto, e o distrito de Cachoeira do Campo têm a mesma idade, porque antes e durante a Guerra dos Emboabas, o que viria a ser Vila Rica era um punhado de arraiais esparsos.

– Mas, a igreja ainda não era o que é hoje – adverte Dolores.

– Claro que não – confirma Tatão – segundo consta, a primitiva igreja seria de taipa, coberta de sapé. A definitiva só foi construída mais tarde. Como já disse, estava tudo no começo. Mas, voltemos ao vocábulo “freguesia”, no sentido empregado naquela época, até início da República. Dizia-se freguesia de Cachoeira do Campo, que então se estendia ao que são, atualmente, os distritos de Santo Antônio do Leite, Engenheiro Corrêa e Miguel Burnier, criados somente na República. A palavra freguesia era a qualificação da localidade, assim como distrito o é hoje. Ninguém falava ou escrevia Cachoeira do Campo freguesia de Ouro Preto, assim como na troca a palavra distrito continuou a preceder o nome local, dando-lhe qualificação ou seja, distrito de Cachoeira do Campo; em seguida vem a localização: onde é localizado o distrito? – no município de Ouro Preto.

Narita, que há muito não intervém nas discussões, limitando-se a ouvir, dá o ar da graça:

– Já sei onde você quer chegar. É a deturpação do conceito de distrito em relação à cidade, ou sede municipal, e ao próprio município. Também eu tenho percebido que, ultimamente, tendem a situar o distrito como se ligado à sede ou dela fosse segmento; nada mais falso. A própria cidade é distrito ou parte de um, diferenciando-se dos demais apenas quanto ao fato de sediar a administração municipal. Seria o mesmo que “capital” do município. Cada distrito constitui unidade semiautônoma, dentro de unidade maior que é o município, por sua vez localizado no estado.

– Ainda bem que não estou sozinho na posição, porque isolamento para defensor de qualquer causa, ainda que coberto de razão, é muito desconfortável. Notem que enquanto a denominação era “freguesia”, não ocorriam equívocos. Acredita-se que a equivalência territorial do termo entre setor civil e setor religioso favorecia o emprego correto do termo pela população. Substituída a expressão “freguesia”, a assimilação do novo se desnorteou, ao longo do tempo, provocando inversão de conceitos entre “distrito” e “município”. Até em perorações de políticos, dito cultos, já foi, não poucas vezes, empregado o termo “município” em lugar de “distrito”, mas desse equívoco, pequeno diante do mais recente, pouco ainda se vê, pois agora confundem distrito com bairro.

Quinzão, muito atento ao que dizem Tatão e sua mulher, Narita, intervém com mais argumentos a favor da tese:

– Enquanto vocês dissecam o problema, ponho minha cachola a funcionar, trazendo à tona lembranças da escola, na qual, lembro-me bem, essa questão era ensinada mediante endereçamento de correspondência. Ensinava-se que o remetente devia ser escrito assim: (nome da pessoa remetente) (Rua) - distrito de Cachoeira do Campo - município de Ouro Preto - estado de Minas Gerais. Por último, informava-se a estação onde a mala postal era descarregada: via estação Dom Bosco - E.F.C.B (Estrada Férrea Central do Brasil). As casas ainda não eram numeradas e o CEP estava longe de ser implantado. Acostuma-se, tão fácil, à inversão de valores, subversão de conceitos e avanço da mediocridade que não se percebe o desvio em que se mete. Somente mediante a “lebre” levantada por vocês e, consequente, comparação com o ensinado na antiga escola, pude perceber o equívoco que se consolida como se fosse o correto.

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