Coisas de ontem... e de hoje LXXX

10 de Novembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Tatão, ao perceber que o bate-papo pode se desviar do assunto principal, adverte o grupo:

– Ó gente, relatei o procedimento dos mascates, com relação à falta de identificação e localização urbanas, apenas como curiosidade. A questão principal prende-se aos desvios do conceito relativo a distrito, ou seja, o que é distrito dentro da divisão administrativa do país. Isso é que precisa ser corrigido, a partir das populações residentes fora da sede municipal, conscientizando-se da individualidade de cada distrito para, em consequência, exigir mais atenção das administrações municipais, enquanto cada cidadão também se conscientiza não ser ele próprio menor, em deveres e direitos, em relação ao cidadão residente na sede municipal, ou cidade.

– Até no ensino, percebe-se a anulação da individualidade dos distritos secundários e respectivas vilas – intervém Lazinha – vocês devem se lembrar de que, no passado, a história local era, pelo menos, lembrada na escola. E creio que nas demais localidades isso se repetia, ao contrário de agora, quando a sede municipal deixa na penumbra todo o restante do município. Tudo gira em torno da cidade!

– Já percebi que todo o existente, além da cidade, é considerado seu quintal – manifesta-se Manelão – refugo na cidade é levado para distrito secundário e o bem vindo neste levam ou, no mínimo, tentam levar para a cidade. É próprio da cultura tupiniquim, menosprezar o que não tem raiz na cidade. A vila e o distrito não podem aparecer.

Dorinha meneia a cabeça em apoio ao dito por Manelão e relata fato testemunhado:

– Isso me faz lembrar, diálogo ouvido, certa vez, na Praça Tiradentes, em Ouro Preto. Era domingo de carnaval, desfile de escolas de samba e praça entupida de gente. Perto de mim, duas mulheres ainda jovens trocavam impressões sobre o desenrolar do evento. Embora não as conhecesse, percebi logo serem irmãs; uma, radicada, na cidade, e outra, visitante, talvez residente muito longe, pois sua surpresa diante de muita coisa denotava visitas raras a Ouro Preto. Uma das escolas iniciou seu desfile, tendo à frente porta-bandeira cujo desempenho chamava atenção por sua graciosidade. A irmã visitante exclamou – “mas, que porta-bandeira, graciosa, elegante e bem fantasiada!” Ao que a outra redarguiu – “ah! é da roça”. A irmã visitante insistiu – “quem é aquela moça? Ela é muito eficiente; dará bons pontos à sua escola”. E a outra – “não liga, não; ela é da roça”. A visitante ainda insistiu, mas o que ouviu foi sempre que a porta-bandeira era “da roça”.

– Que preconceito besta – acusa Dolores, emendada por Manelão:

– Ela deve pensar que aquilo que come é produzido na CEASA. E pior é ouvir isso de morador de Ouro Preto. Em sendo nativo de apartamento em megalópole, perdoa-se a ignorância. Mas esse preconceito, aqui, é o fim da picada, pois Ouro Preto, na verdade, não passa de roça melhorada!

– Cuidado, Manelão! Alguns “trezentões” podem querer agarrá-lo pelas orelhas – adverte Quinzão.

– “Trezentões” todos nós somos! – rebate Manelão.

– Mas os da sede municipal se julgam com mais direito.

– E eu já ouvi, diversas vezes, que o povo não devia eleger prefeito nascido na roça – acrescenta Narita.

– Não se sabe o que é mais grave: o preconceito, nascido do povo, ou desvio do conceito de distrito nas esferas do intelecto-político-administrativo, seguido da prática da desconsideração, do menosprezo e do abandono – observa Dolores, seguida por Tatão.

– Os dois fatores se somam para mais prejudicar as comunidades extramuros da cidade. A definição para município e distrito é dada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE: “os municípios constituem as unidades de menor hierarquia dentro da organização político-administrativa do Brasil. A localidade onde está sediada a Prefeitura Municipal tem a categoria de cidade”; “distritos são unidades administrativas dos municípios. A localidade onde está sediada a autoridade distrital, excluídos os distritos das sedes municipais, tem a categoria de Vila”. Na definição de distrito há duas importantes observações a fazer: além de dizer que sede do distrito tem categoria de vila, presume-se que, nesta (na vila) está sediada a autoridade distrital. Conclui-se que, em cada distrito deveria haver um governante, respondendo ao prefeito. Outra observação é quanto à expressão “excluídos os distritos das sedes municipais”. Nela está explícito que a sede municipal é também distrito. Frisa ainda o IBGE, que os distritos são unidades administrativas dos municípios. Não diz que pertencem à cidade, como apregoam, por aí, muitos mal informados! Portanto, os distritos são unidades semiautônomas, sem nenhuma relação com o distrito sede, senão quanto à de natureza político-administrativa.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook