Coisas de ontem... e de hoje LXXXI

24 de Novembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Tatão fala, mas, percebe-se, Manelão está ansioso, talvez pronto para intervenção bem humorada, como é de sua natureza. E todo o grupo se volta para ele, quando o vê elevar a voz:

– Enquanto você discorria sobre a diferença de conceito entre freguesia e distrito, ontem e hoje, estive a pensar com os meus botões. Foi dito que, pelo menos teoricamente, “freguesia” era tida como unidade à parte dentro do todo que é o município, ao passo que, hoje, por pura ignorância, diga-se de passagem, distrito secundário é considerado “quintal” da sede municipal. Não seria devido às circunstâncias relativas a tempo e espaço a separar a sede municipal das demais freguesias? Como vencimento de distâncias demandava mais tempo, em razão das condições dos meios de locomoção, então mui precárias, as pessoas se deslocavam menos. Sob esse aspecto, os pontos eram mui distantes entre si, dando às “freguesias” mais sensação de unidades à parte, ao contrário de hoje, com interligação fácil e rápida.

– Sua observação é bastante interessante e, confesso, não havia pensado com base nesse aspecto – Tatão acolhe a observação e Dorinha faz blague:

– Chiii!!! As propriedades intelectuais trocaram-se entre esses dois! Até há pouco, quem teorizava sobre pontos, aqui em discussão, era o Tatão. Agora só falta o Tatão aprontar alguma molecagem.

– Ora, Dorinha, meu Mané pensa também; não faz só brincadeiras! – intervém Chiquinha, enquanto os demais fazem alarido com muito riso em torno da observação da Dorinha.

– Penso também que o Tatão tem razão – diz Dolores – Pessoas, até nossa geração, em grande parte, nasciam e viviam longamente, sem nunca se deslocar de seu chão natal. Conheço algumas que só conheceram Ouro Preto na idade madura.

– Verdade, Dolores? Não é exagero seu?

– Acontecia, sim, Dorinha – quem confirma é a Chiquinha – Eu mesma fui lá, pela primeira vez, depois de casada.

– Lua-de-mel? – Indaga Dorinha, maliciosamente.

– Fomos visitar parente, enfermo, do Mané. Era tudo muito difícil. Conforme o objetivo da “viagem” não se conseguia voltar no mesmo dia, razão pela qual poucos tinham condições de fazê-la. Havia que ter dinheiro para hospedagem e alimentação, ou aboletar-se em casa de parente ou amigo, caso os possuísse na cidade. Eu ainda vivi parte desse período. Você se lembra, Tatão?

– Também eu fui conhecer a cidade, na fase adulta, mas, por ter me mudado para longe daqui. Entretanto, muito ouvi do papai relatos de como era a “viagem” até a cidade. Mesmo depois de aberta aquela estradinha de automóvel, que passava pela Estação Dom Bosco, o meio mais fácil era o cavalo, para os que o possuíam. Quem montava podia ir e voltar no mesmo dia, dependendo, claro, do objetivo. De trem, a viagem era bastante demorada e havia que vencer a distância até estação de embarque, em Dom Bosco, e vice-versa, a pé ou a cavalo. Veículo motorizado era privilégio de um ou dois locais.

– Pelo que ouço, deslocamento até Ouro Preto equivalia, hoje, a viagem internacional – zomba Dorinha.

– Nas devidas proporções, pode-se dizer que sim. Atualmente, pessoas de medianas condições viajam ao exterior com mais facilidade do que entre duas cidades próximas, naquela época – rebate Tatão, seguido da Dolores:

– Tenho lembranças de como essas dificuldades influíam, dando mais trabalho ao então chamado Cartório de Paz. Nossa família residiu, por algum tempo ao lado do cartório. Eu, ainda bem menina, tinha como amiga inseparável a filha do escrivão. Por essa razão passava bom tempo no cartório, que funcionava em pequena sala de sua residência, onde compareciam pessoas de todas as condições sociais para providenciar documentos. Documento, muito requerido e que aguçava nossa curiosidade infantil, era a “procuração”. Certa vez, fora do expediente cartorário, quando brincávamos junto aos seus pais, minha amiga perguntou como e o quê as pessoas procuravam com aquele papel. O pai sorriu da ingenuidade e explicou a natureza do documento. Além da dificuldade de locomoção, que demandava mais tempo e dinheiro, pesavam pró-recurso à procuração a falta de traquejo no trato com repartições públicas e o fato de muitos não saberem ler e escrever. Dava-se procuração para saques e liquidação de contas bancárias, para inventário e partilha de bens, para recebimento de proventos e salários nos empregos públicos, para compra e venda de qualquer coisa.

– Então, procuração era um meio generalizado usado na solução de negócios – diz Dorinha.

– Não me esqueço da vez do farmacêutico local, que encaminhou registro do seu diploma mediante procuração, em repartição na capital do Estado e na da República – conclui Dolores.

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