Coisas de ontem... e de hoje LXXXIII

08 de Dezembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O bate-papo dos aposentados e “condôminos da terceira idade”, como gosta de a ela se referir o Manelão em tom sarcástico, envereda por histórias de casamento, ou melhor, cenas de casamento, no tempo em que nem todas casavam com quem queria e divórcio não havia para o reparo requerido. O assunto é palpitante para as representantes das últimas gerações de mulheres para as quais o casamento, antes, seria um mundo de sonhos, nem por um momento vislumbrado como possível pesadelo. Como não podia deixar de ser, Dorinha faz tardio protesto contra o comportamento da noiva, que teve o vestido rasgado no trajeto para o altar e o cartório.

– Se infeliz foi, seu silêncio compensou o frufru inútil, feito apenas para chamar a atenção sobre si.

– Ora, Dorinha, com o pai que a menina tinha, não havia outro remédio – defende Dolores.

– Ela não teve tutano, foi covarde a ponto de se arriscar em casamento no escuro. Se não tinha coragem para enfrentar o pai, para quê o beicinho choroso e o ensaio de volta para casa? Ela deveria ter enfrentado o pai e quem mais quisesse obrigá-la a se casar com quem não queria. Antes o rebu por uns momentos, ou alguns dias, do que o sacrifício por toda a vida.

– É, mas, no fim deu tudo certo – volta Dolores.

– Não sei, não... mas, outras histórias você deve ter para contar.

– Eu era bem menina, muita coisa não compreendia naquele momento, mas a memória registrou cenas e fatos interessantes à consideração que hoje se faz sobre o passado.

– Você assistiu algum impasse na hora do “sim”? Chegou a ver mostras de desistência no momento crucial?

– Presença à cerimônia, propriamente dita, não nos era permitida; a porta interna de acesso à sala do cartório era fechada. Entretanto, zum-zum posterior alimentava comentários e deduções, quando algo inesperado acontecia. Fato mais sério, que rendeu comentários por muito tempo e tornou o casamento inexistente, por algumas horas, aconteceu no dia em que minha família se mudava daquele endereço.

– Então o casamento seria nulo? – é ainda a Dorinha a deduzir

– Segundo o que entendi depois, o casamento não era nulo, porém legalmente inexistente. Os dois, na verdade, continuavam solteiros como antes da cerimônia.

– Papagaio! – exclama Chiquinha – o que aconteceu?

– No registro do casamento não constava a assinatura da noiva. Felizmente, a falha foi descoberta a tempo, antes mesmo de a cerimônia religiosa realizar-se.

– Agora, quem não entende nada sou eu – intervém a Lazinha – Como não havia assinatura, com tantas testemunhas a vê-la assinar? O ato da assinatura não é isolado, porém à frente das testemunhas oficiais e demais assistentes. Não entendo como ela deixou de assinar, à frente de tantos olhares concentrados no ato da assinatura.

Todas as atenções se concentram na Dolores, em busca da explicação para fato tão insólito. Antes que se esclareça, o que ela própria lançou, a fazer suspense, tal qual o Manelão quando conta suas patranhas, a ala feminina se pergunta – O quê? como foi? Quem falou? Por quê? Como se previamente combinado, os homens emudecem, embora tenham a atenção concentrada no assunto; curiosidade comedida e silenciosa sob troca de olhares e sorrisos maliciosos. Até parece que casamento é assunto que não lhes diz respeito. Manelão e Tatão, tão falantes, fazem “coro” com Mário, o mais calado do grupo.

– E aí, que aconteceu? – fustiga Dorinha.

Dolores, a lembrar Manelão, mira todo o grupo e volta a falar:

– A noiva tinha um nome do qual não gostava; muito feio, diga-se de passagem, sugerido pelo santo do dia do seu nascimento, como era costume em famílias muito religiosas. Para escapar ao seu uso, no dia-a-dia, ela adotou outro quando ainda criança. Aos que lhe perguntavam o nome ela sempre fornecia o apelido, ou seja, o nome adotado. E foi esse que ela “assinou” no registro de casamento. Na hora, ninguém se preocupou em conferir.

– Teria ela usado o apelido para escapar ao casamento? – volta Dorinha.

– Não creio, porque ao serem as famílias envolvidas procuradas pelo tabelião, a noiva se prontificou a voltar ao cartório com o noivo e as testemunhas, tão logo novo documento ficasse pronto. Ela se mostrou envergonhada com a mancada cometida, pediu desculpas e tudo se resolveu. Entretanto, o assunto esteve na berlinda durante algum tempo.

– É no que dá a falta de cuidado na escolha de nomes dos filhos – arremata Narita.

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