Coisas de ontem... e de hoje LXXXIV

13 de Dezembro de 2013
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Com todas as atenções voltadas para si, Dolores continua a discorrer sobre lembranças de casamentos, no tempo em que os costumes eram bem outros.

– Vocês devem se lembrar que o mês mais escolhido para realização de casamentos era maio; e por isso mesmo, cognominado “mês das noivas”.

– Era mesmo – confirma Chiquinha – o Mané e eu casamo-nos em maio. Quanto ao menos escolhido, agosto se destacava.

– Vocês estão se esquecendo da quaresma, quando não se casava mesmo – é a Lazinha chamando a atenção das amigas. E Dolores explica o porquê:

– Nesse caso, o problema não era com o mês, uma vez que a quaresma é móvel, situando-se entre parte de fevereiro e parte de abril, conforme o calendário lunar. Realização de casamento era evitada, no período quaresmal, mais por questões religiosas; não que a Igreja impedisse, mas por conveniência dos próprios noivos.

Dorinha se manifesta:

– Não entendi nada, Dolores. Era por questões religiosas, mas Igreja não impedia; e onde estava a conveniência da não realização do casamento durante a quaresma?

– A quaresma, então, pesava, e muito, no comportamento social. Por ser período de penitência, jejum e abstinência de carne, as pessoas agiam com mais comedimento, menos festas, menos bebidas e... baile, de jeito nenhum! E festa de casamento sempre se encerrava com baile. Por essa razão, a realização de casamentos era evitada durante a quaresma. As pessoas encaravam a religião com mais seriedade.

– Por medo de virar lobisomem ou mula-sem-cabeça – zomba Manelão, provocando gargalhadas. E Dolores continua:

– Detalhe entre os que mais me chamavam a atenção era o buquê portado pela noiva. Manelão intervém novamente:

– Não me surpreende, pois, na festa de casamento, é o objeto mais cobiçado pelas solteiras. Mas, quanto a você, que ainda devia brincar de boneca, qual o motivo da atenção?

– Seu tamanho e quantidade de flores estavam na proporção inversa ao grau cultural da família de quem o portava. Quanto mais modesta, culturalmente, maior era o arranjo de flores. Noivas com educação mais aprimorada apresentavam buquês de menor tamanho e flores bem escolhidas.

– Imagino que maiores disparates deviam acontecer entre pessoas da zona rural – observa Lazinha.

– E era. Certa vez, a noiva trazia grande braçada de copos-de-leite. Coitada, tinha dificuldades até para andar com aquela coisa nos braços!

– Será que não tinha amigas que a orientassem? – indaga Dorinha.

– É certo que tinha, e, a prova estava no grande número de jovens de sua idade entre os convidados. A noiva residia em povoação mui distante e de lá veio, já vestida para a cerimônia, a cavalgar, seguida por todos seus convidados também a cavalo. Ela veio assentada em selim feminino, ainda muito comum para as mulheres que montavam.

– Ah! aquele banquinho a permitir as pernas viradas para o mesmo lado. No fim da viagem, a mulher devia estar com tremendo torcicolo, se quisesse ver o que acontecia à frente – observa Dorinha que, ao final, pergunta:

– E as flores, será que ela as carregou desde o início da viagem?

– Não. Prepararam um animal só para o transporte dos copos-de-leite.

– Verdade? – pergunta Narita – então as flores eram em número exagerado.

– Apenas uma já era exagero – ataca Dorinha – e Dolores continua:

– Tiveram o cuidado de improvisar suporte atravessado sobre o animal, colocando as flores em duas latas com água, uma em cada lado, para que não murchassem. À chegada, grupo de mocinhas se encarregou de enxugar e envolver os talos das flores em tecido branco, amarrado com fita da mesma cor.

– Fico a imaginar como teria sido a cena do arremesso do buquê – observa Lazinha – já havia esse costume?

– Não sei lhe dizer – responde Dolores, interrompida pelo Manelão:

– O problema não estaria no arremesso, mas na captura do buquê, se houvesse quem se atrevesse.

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