Dolores mantém as atenções voltadas sobre si, mas, percebe-se inquietação por parte da Dorinha, talvez desejosa de fazer intervenção. Manelão percebe e dá seu palpite:
– Ora, Dorinha, desembuche, sô!
E a Dolores emenda:
– Fale Dorinha!
– Nunca aconteceu de, naquela hora crucial, o casamento ser interrompido?
– Mas, que hora crucial?
– Sempre tive curiosidade em relação ao apelo: “se alguém souber de algo que impeça este casamento, que fale agora, ou se cale para sempre”. Ficava a imaginar o que poderia acontecer, se alguém soubesse de algum segredo e resolvesse soltar a língua naquele momento. Já imaginaram o furdunço?
Reação do grupo feminino não se faz esperar – que é isso, mulher? – aspirar pelo pior é crueldade, falta de caridade – e se fosse você a noiva? – creio que todos os presentes esperam final feliz para o casamento – não se entende alguém desejar o adverso – isso chega a ser doentio – são críticas femininas, sob o silêncio e riso comedido masculino.
– Hoje tenho consciência disso e concordo com quem diz que seria uma doença. E agora faço revelação que pode deixar vocês mais chocadas: durante minha juventude compareci a todos os casamentos, ao quais pude, sempre com esse desejo mórbido de ver o circo pegar fogo.
– Você critica o Manelão por seu comportamento, um tanto irresponsável, na juventude, porém a expectativa acalentada por você em torno de tragédias humanas supera tudo – é opinião manifestada por Narita, que continua:
– Você comparecia a casamentos, mesmo não sendo convidada?
– Pois é, Narita; comparecia, sim. Embora o casamento continue sendo ato público, quase tão somente convidados comparecem à cerimônia, mas, antigamente, a curiosidade também se fazia presente. Eu não era a única, ainda que fosse com intenções diferentes.
– Mas, nunca soube que alguém tivesse o interesse revelado por você – explica Narita
– Foi você quem puxou assunto de casamento, quando a Dolores falava sobre o cartório, mas confesso que teria sido eu, se você não se adiantasse, embora não mais me mova nenhum desejo mórbido nesse sentido. Creio que por isso, casei-me tardiamente e, muito depressa, me enviuvei.
– Casamento interrompido, nunca presenciei, mas sei de caso, que gerou muita expectativa. Entretanto não se prendia a qualquer impedimento legal, porém em decisão da noiva.
– Verdade? – indaga Dorinha.
– Em roda de amigas, entre as mais íntimas, certa noiva revelou – não se sabe se, seriamente, ou por brincadeira – que não se casaria se o antigo namorado estivesse presente.
– E o que aconteceu? – outra vez a Dorinha.
– Nada! Exceto que, além das convidadas, grande número de solteiras compareceu para conferir, se ela cumpriria a ameaça. O adro da igreja esteve cheio de curiosas. Ficou a dúvida se ela cumpriria, ou não, a ameaça, pois o ex-namorado não compareceu.
– E a festa de casamento, vocês se lembram como era? – pergunta Chiquinha e Lazinha se adianta:
– Era só doce. Gente, como se produziam doces para festas de casamento!
– E como as pessoas comiam doces, nessas ocasiões!... você deveria dizer – observa Narita – Eram bandejas e mais bandejas de doces a circular entre convidados.
– Se a família era das minhas relações – revela Chiquinha – procurava ficar onde estavam as cestas dos doces, que eram sempre secos. Com a desculpa de ajudar no preparo da bandejas, eu me fartava dos doces.
– O mesmo espírito do Manelão – zomba Dorinha – não é à toa que casou com ele!
– Mas, na maioria das vezes, eu tinha outro argumento para me postar junto às cestas. A mamãe era das maiores doceiras de festas. Havia ocasiões que a única ocupação dela era a produção de confeitos, sobrando o restante das tarefas domésticas para nós, as filhas. E ela não permitia nem que provássemos do produzido por encomenda. Como os doces eram produzidas em minha casa, a própria família anfitriã solicitava minha colaboração – em boa hora, para mim
– na distribuição ao pessoal do serviço junto aos convidados.
– O costume era tão arraigado – observa Dolores – que havia a expressão “dar os doces”, referindo-se ao ato de se casar.