Coisas de ontem... e de hoje V

26 de Março de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O caso do gambá provoca outro acesso de risos, inda mais por ter sido contado pelo Manelão, gaiato por natureza, ao qual se atribui a autoria de muitos relatos jocosos.

Truuuco! – grita a turma, para rebater a suposta mentira. A essa altura, o efeito da cerveja já se faz notar com a algazarra descontrolada. É a Chiquinha, mulher do Manelão, que intervém em seu socorro:

Parece que a história é verdadeira, gente, embora muito engraçada. Lembro-me bem de quando aconteceu, eu ainda adolescente, a mãe do Mané muito aflita diante da mamãe. A mamãe lhe perguntou: - ele chegou a jogar a pedra? Danificou o carro? Se nada disso aconteceu, não há razão para aflição. Por isso, eu sei que o fato é verídico. A minha sogra sofria por antecipação ou ainda, sob hipótese: - que seria de nós se o carro tivesse sido danificado? – perguntava ela.

É coisa de pobre – graceja o Manelão.

Não é de pobre, é de gente responsável, embora desviada da realidade, pois se o fato não chegou a acontecer, não havia por que se preocupar. Agora, aqui pra nós, que o caso foi engraçado, ah! isso foi! Em que local isso aconteceu, Manelão?

Na Rua Santo Antônio, em frente à entrada para a Rua Fonte Fora. Naquela época, veículo chegava mal, mal, até aquele ponto da rua. Dali para cima, os degraus existentes impediam o trânsito de qualquer veículo; mesmo os carros-de-bois tinham dificuldades em transpô-los.

É verdade, quase não mais se lembra desses detalhes, quando se passa ali de carro - observa o Mário. Era técnica portuguesa para amenizar as fortes subidas. Com intervalo de cem a duzentos metros havia degraus com inclinação de trinta a quarenta graus.

Você fala em amenização da subida, mas a verdadeira função dos degraus de pedra era evitar erosão, provocada por enxurrada ladeira abaixo – intervém Quinzão. Ladeira muito forte, desprovida de calçamento, se converteria em longa sucessão de buracos por ação de enxurradas. Lá no alto, no canto da rua, havia canaleta em “V” suave, também toda de pedra. Tinha-se a impressão de que os construtores a iniciaram para estendê-la a toda a rua, de alto a baixo, porém algo os fez suspender o projeto. Ficou somente aquele pequeno trecho, até que, no início dos anos setenta do século vinte, as ruas centrais sofreram remodelação para se adequar ao trafego de veículos motorizados, que começavam seu império no transporte local.

E não era somente a Rua Santo Antônio, pois a Rua das Mercês também tinha esses degraus, bem como os becos então existentes – Mário é dos que menos falam, mas, de vez em quando lembra detalhes que passam despercebidos. E continua: – os degraus da Rua das Mercês foram os que melhor se conservaram, até que a rua recebeu calçamento.

Quinzão explica o porquê da diferença na conservação das duas ruas: – Na Rua das Mercês não passavam carros-de-bois e nem era ela rota de boiadas, dois fatores que contribuíam bastante na destruição dos degraus na Santo Antônio.

Chiquinha, ao ouvir falar em boiada, exclama: – gente, aquelas boiadas eram de meter medo; levavam tudo de roldão por onde passavam. Ficamos concentrados nas novidades do dia-a-dia e nos esquecemos de coisas que muito nos marcaram.

Você tem razão, Chiquinha – aparteia Lazinha – só quem morava em ruas por onde passavam as boiadas pode avaliar. Quem estava na rua tinha de correr e entrar na primeira casa que encontrasse se não quisesse morrer pisoteado. Nem todas as boiadas eram bem organizadas com batedor bastante à frente para dar o alerta. Em minha infância, morei na Rua do Tombadouro e sei bem o que eram.

Chiquinha acrescenta: – o tamanho delas não era medido pelo número de cabeças; era pelo tempo que passavam por determinado ponto. Imaginem bois a passar pela rua, diante de você, durante três a cinco minutos. Imaginem bem o que são três minutos de bois a passar em marcha acelerada. Passado o último boi, a rua ficava como se tivesse chovido bosta de vaca.

E passados alguns dias – emenda o Manelão: – era a festa dos catadores de estrume, utilizado como esterco nos canteiros de couve.

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