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22 de Fevereiro de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Ainda com relação à cremação, Tatão explica:

– Além dessas vantagens a favor da vida, que continua, a cremação é a mãozinha do ser humano à natureza. Por meio dela apressa-se a decomposição, que levaria anos para se realizar por meios naturais.

– Embora eu não seja muito simpática à coisa, reconheço vantagens na cremação – é a Dolores que se manifesta – Entretanto, temo pela impossibilidade da investigação policial em casos de morte suspeita. Crimes poderiam ficar insolúveis.

– Quanto a isso, a lei prevê normas a serem seguidas. Por enquanto a cremação se faz em atendimento a pedido antecipado e escrito do finado, ou a pedido da família, e não se realiza, enquanto não se resolvem questões de apuração da causa mortis, sobretudo nos casos de violência. Em se adotando, oficialmente, a cremação como destino final dos corpos humanos, é claro que a legislação precisaria ser ampliada e aperfeiçoada. Como exemplo de melhores cuidados, há que se resguardar, para a posteridade, todos os dados físico-biológicos do finado, bem como os ligados ao que motivou sua morte.

– E o que é feito das cinzas? – indaga o Mário.

– Isso fica a critério da família. Pode-se simplesmente enterrá-las, ou espalhá-las no jardim doméstico, derramá-las em curso d’água ou no mar, espalhá-las ao vento. Pode-se também guardá-las em casa; para isso, são fornecidas urnas próprias.

– Eu, hein? Guardar cinzas de defunto em casa; que coisa mais lúgubre!... Tô fora – reage a Dorinha.

– Mas, como disse, há diversas opções como seu destino; ninguém precisa guardá-las.

– Há outra grande vantagem oferecida pela cremação – diz Quinzão a Tatão.

– Sem dúvida. Você deve se referir à questão imobiliária.

– Exatamente. A cremação libera espaço para edificação de moradias.

– Com o devido respeito aos sentimentos pelos entes queridos, que se foram, também não condenando quem pensa diferente, não é com tumba, ainda que simples e não marcada por mausoléu, que se prestam as melhores homenagens aos mortos ou que se preserva sua memória. A melhor homenagem está em dar continuidade às suas obras e em esquecer seus erros. Dinheiro deve ser gasto com pessoa viva, dando-lhe amparo, estímulo, educação, trabalho, saúde. Veja o caso de morte ocorrida longe do domicílio. Gasta-se pequena fortuna no traslado do corpo para sepultamento onde a pessoa viveu. A cremação no local da morte permitiria o transporte das cinzas até o domicílio por custo ínfimo.

Narita, em silêncio, porém muito atenta ao assunto, intervém:

– Comentou-se, há pouco, sobre mortes que ocorriam até por dor de barriga. A falta de recursos, depois da ignorância, era a principal causa para aquelas mortes, ditas antes da hora. Ao contrário, hoje, nos hospitais, doentes em estágio terminal têm a vida prolongada por meios artificiais. Entendo que existe um limite, ou seja, a morte não deveria ser retardada, quando não mais há condição de vida.

– Você se refere à distanásia – explica Tatão

– Engraçado, sei da eutanásia, quanto à distanásia nunca ouvi – comenta Dorinha, provocando outra explicação do Tatão:

– Na verdade, são três procedimentos diferentes em relação à situação de morte: eutanásia, distanásia e ortotanásia. Eutanásia, mais presente na mídia e defendida por alguns, é o apressamento da morte em casos terminais, por meio de medicamentos ou outros processos; não encontra amparo legal no Brasil. Distanásia, é o prolongamento da vida por meios artificiais; não encontra resistência legal, mas também é antinatural, pois prolonga o sofrimento. Ortotanásia seria o meio termo, não apressando e não retartando, artificialmente, a morte, porém, deixando-a acontecer, naturalmente. O próprio termo indica “morte correta”.

– É isso que penso – confirma Narita – chega o momento em que equipamentos ligados e medicamentos ministrados apenas prolongam o sofrimento, contrariando a própria natureza. Por muito que amemos uma pessoa, não temos o direito de prolongar sua vida, inutilmente. Chega a ser egoísmo, tentar manter um ente querido junto de nós, quando se sabe ter chegado sua hora de deixar este plano. Deve-se deixar o doente livre para morrer, cuidando apenas de lhe amenizar dores e outros incômodos; que ele sofra o menos possível em seus momentos finais.

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