Coisas de ontem... e de hoje XCII

10 de Março de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Dorinha continua inflexível em sua posição:

– Ora, Tatão, de que adianta um ou dois a pensar como você e o resto não ter nenhuma consideração com a vida? Mata-se por qualquer coisa e das formas mais horríveis; e mesmo assim você defende a vida desses desgraçados! Bandidos assaltam, roubam tudo o que querem e matam suas vítimas, ainda que não ofereçam reação, como o recomendado por intermédio da mídia.

– Você está equivocada quanto à estatística – adverte Quinzão – a maioria valoriza a vida. Apenas uns poucos agem fora da lei e contra a vida. O que causa impressão contrária é o fato de os bons serem silenciosos, enquanto os poucos maus fazem, ou se faz, muito barulho à sua volta.

– Concordo com você, Quinzão – atravessa Lazinha, virando-se, em seguida, para Dorinha:

– Veja o nosso grupo, por exemplo. Todos são pessoas de bem consigo próprias e com a sociedade. E dentre os bons cidadãos, também são minoria os que defendem a mesma posição sua. Creio que, no grupo, você é a única, mas há que respeitar sua opinião.

Tatão retoma a palavra:

– Reconhece-se a indignação pública diante da situação, porém a reversão desta não se consegue, simplesmente, com mão de ferro, necessária sim, mas aplicada em consonância com a moralização do setor político e adoção de políticas do bem-estar geral. De nada adianta tentar reparação de vazamentos de água em rede já desgastada, pois isso continuará a acontecer, se não recuperado todo o sistema. A bandidagem desenfreada, na maior cara-de-pau, o crime organizado e a violência constituem resultante da omissão do Estado, ocupados que estão seus agentes, eternamente, a jogar no tabuleiro político-partidário.

– Isso, quando não ocupados com coisas piores, que caracterizam a corrupção – acrescenta Dolores, em apoio a Tatão que continua:

– Vejam que mal se instala um governo e logo se iniciam tretas e mutretas em direção à campanha eleitoral seguinte. Não há tempo a se ocupar com os verdadeiros objetivos do Estado!

– No passado havia mais seriedade em tudo – intervém o Mário – ao contrário de hoje; havia mais respeito à autoridade e o criminoso era, realmente, punido.

– Não que fosse o paraíso, mas as coisas eram levadas mais a sério – confirma Tatão – e, quando descoberto, o implicado em qualquer escândalo recebia punição. Quanto ao respeito, eu diria que havia era medo. A base da pirâmide social era contida pelo medo, para qual havia contribuição da religião com ameaça de castigo eterno. Veio a liberação geral e a própria religião se tornou mais condescendente, mas o preparo das massas, via educação, possibilitando o exercício de mais liberdade com respeito e responsabilidade, não se realizou. A própria educação familiar, ou “de berço”, entrou em declínio, à medida que a televisão ocupava aquele espaço. Na área pública (no sentido fora de casa), ampliou-se a rede física da educação, para receber universo maior de educandos, porém a qualidade do ensino se perdeu ao logo do tempo. Este é o caldo de cultura no qual se molda a decadência da sociedade atual, que prima pela desobediência, inversão de valores, mediocridade, vulgaridade.

– Você considera, então, caso perdido? – indaga Narita a Tatão – Não há recuperação?

– Não diria tratar-se de caso perdido, porém demandaria algumas gerações para que caminho ideal fosse alcançado.

Dorinha, depois de algum tempo em silêncio, dirige-se ao Tatão:

– Se fosse consultado quanto às medidas a serem tomadas, que diria você?

– Tudo é uma questão de educação de qualidade para todos, respeitando-se a capacidade intelectual de cada um. Entretanto, antes de isso ser definido, há que restabelecer responsabilidade e autoridade paterno-materna, em família, e autoridade do professor em classe.

– Falou e disse – diz Chiquinha, continuando:

– É preciso reaprender que a educação tem início no seio familiar, onde a criança deve receber orientação para convivência entre os de sua faixa etária, disciplina no dia-a-dia em família e respeito aos limites. É em família que começa a formação do futuro cidadão, ou cidadã, seguindo-se a escola, onde a educação deve se aprimorar, incluindo-se aí a orientação e formação para o trabalho. Nossos pais, ainda que limitados por sua condição humilde, tinham consciência de que não eram apenas provedores do sustento dos filhos. Recebemos deles, o que eles próprios receberam de nossos avós, tudo quanto se refere à responsabilidade de cada um no convívio em sociedade. Por isso, aqui estamos a celebrar nossas realizações.

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