Coisas de ontem... e de hoje XCIV

24 de Março de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A ideia do Tatão não só cativa a atenção como provoca reação entre seus amigos, uns em busca de mais informações e outros em franca contestação. Dolores expõe seu parecer:

– Temo pela discriminação, no momento em que, feito o teste vocacional, o aluno e toda a comunidade escolar souber do resultado. Se o teste revelar que ele não tem condições de alcançar o nível universitário, isso poderá redundar em grave choque para o estudante. E ele poderá ficar marcado entre seus colegas.

– Sua argumentação está correta, mas vejamos primeiro como seria o sistema. Primeiro, uma observação quanto ao nome do teste. Embora comumente se fale “teste vocacional”, ele tem por objetivo revelar talento ou talentos de uma pessoa para um ou várias profissões. A vocação se refere a dimensão além do talento, mas fiquemos no que se refere a este último. Para evitar a discriminação, o resultado do teste não seria revelado, imediatamente, e nem ficaria aos cuidados da escola. A organização que o aplicasse o reteria até o momento em que o próprio aluno denotasse ter chegado ao seu limite, na escola, e demonstrasse interesse por algum tipo de atividade. Somente aí o resultado do teste seria revelado, em segredo, somente ao interessado e seus pais, verificando-se então se estaria em harmonia com o que o estudante desejasse, objetivamente.

– Nesse momento, seria o resultado revelado à escola – atravessa Dorinha.

– Ainda assim, não – rebate Tatão – conhecimento do resultado caberia tão somente ao estudante e seus pais, a menos que ele próprio decidisse revelar.

– Por que tanto sigilo? – indaga Narita.

– Para evitar, justamente, a discriminação prevista por Dolores. O estudante continuaria na escola, normalmente, até o momento em que decidisse deixá-la, sem qualquer pressão a favor ou contra sua decisão. E a escola ficaria na obrigação de fornecer-lhe o certificado correspondente ao período cursado. Nesse mesmo certificado seriam anotadas as aptidões detectadas durante sua estada na escola, independente do resultado do teste de orientação profissional. De posse do laudo do teste e do certificado escolar, seria ele encaminhado à formação para o trabalho, de acordo com sua tendência em destaque.

Nesse ponto, Quinzão se manifesta:

– Bastante interessante a ideia! Confesso que, a princípio, ela me pareceu perigosa por supor: que a escola teria poder de eliminar aluno com baixo rendimento no aprendizado; e que ela teria conhecimento do resultado de cada teste de orientação profissional. Livrar o estudante da obrigatoriedade de estudar além do limite de sua capacidade e deixá-lo livre para decidir, no momento certo, parece-me salutar e harmonizado com a natureza de cada um. Não é segredo para ninguém que somos diferentes na capacidade de aprender e que cada qual tem talento diferente das demais pessoas.

– Tudo muito bonito, mas não é pra hoje, não! – intervém Manelão, continuando – creio que na atual situação seria mais dinheiro a se jogar fora.

– Penso da mesma forma – concorda Dorinha.

– Mas, eu disse no início, que isso demandaria algumas gerações. Sem a moralização na área político-administrativa, restauração da autoridade paterno-materna, em domicílio, e do professor na classe, creio não ser possível. A atenção governamental sobre a educação exigiria a especialização de muitos e diversos profissionais para a área. Isso custaria investimentos vultosos nas atividades fins da educação, o que é impraticável sob o império da corrupção. Por isso, tal sistema ainda demandaria tempo, mas o preparo do caminho deveria se iniciar imediatamente.

– E quanto ao aluno que, sem qualquer dificuldade no aprendizado, continuasse na escola? Em que momento ele receberia o laudo do teste? – quer saber a Dolores.

– Ele receberia o resultado, no último ano dos estudos, antes de ingressar numa escola técnica ou na universidade. Nesse momento, saber-se-ia se sua escolha objetiva coincidia com o laudo. Por ser o laudo sigiloso, o jovem estaria livre para optar entre sua escolha e o que apontasse o teste. Contudo, na maioria das vezes, prevaleceria a segunda opção, uma vez que a dúvida é a grande barreira nessa escolha. Muitas pressões ele sofre, desde os pais que o querem nesta ou naquela profissão, até a avidez financeira sobre as mais rentáveis, passando por modismos, ou seja, profissões novas, não bem consolidadas, porém sedutoras sob a avaliação do jovem.

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