Coisas de ontem... e de hoje XCV

01 de Abril de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Chiquinha, atormentada pelo Manelão, a fazer gracejos, como sempre, aguarda pausa do Tatão e dá seu palpite:

– Nesse sistema, Tatão, a prevalecer o laudo de acordo com a vontade do jovem, entendo que seria a vez de muitos pais passarem por frustração. Hoje, muitas vezes, o jovem acalenta o desejo por determinada profissão, mas, para não entrar em conflito com pai ou mãe, que o vê a tomar outro destino, ele se sacrifica: faz o curso sugerido e acaba por não exercer a profissão, ou se exerce o faz dentro da mediocridade. O mercado de trabalho está cheio de pessoas insatisfeitas com o que fazem. O laudo de orientação profissional, em sintonia com a vontade própria seria sua “carta de alforria”. Dentro da família, quem pensasse outra carreira para o jovem ficaria frustrado e não haveria como impedi-lo de seguir o caminho escolhido.

– E não é só insatisfação com a atividade – diz Narita – pois a situação pode ser bem mais séria, quando a pessoa não consegue se realizar em termos profissionais. Há casos sérios de saúde, desenvolvidos a partir de contrariedade na escolha da profissão ou atividade.

– Sabe-se de casos em que indivíduos se tornaram moradores de rua, frustrados com a atividade a que foram induzidos contra sua vontade – emenda Dolores.

– Na outra ponta da situação – explica Quinzão – pode acontecer uma aliviada nos portões das universidades.

– Você o diz bem – confirma Tatão – O que temos hoje é muita pressão da sociedade para que o indivíduo curse a universidade, não importa que área ou que qualidade tenha o curso; o que vale é o diploma, o status proporcionado por ele e o salário, que não se paga ao capacitado não titulado. No reconhecimento dos limites de cada um, o novo sistema abriria caminho para os mais capazes, não importando origem, condição socioeconômica, etnia ou qualquer fator discriminatório. O indivíduo, no novo sistema, teria chance de se desenvolver, nos estudos, até o limite de sua capacidade.

Chiquinha ouve com atenção e observa:

– A verdade, não discutida e camuflada pelas autoridades do setor, é que multidão, disseminada em toda trajetória escolar, marca passo, não avança no aprendizado, presa à condição imposta pelo sistema de que todos devem estar matriculados em determinada faixa etária; matriculados apenas, pois o sistema pouco se importa se o aluno tem capacidade de aprender e quer percorrer todo o caminho imposto.

– Gente! – é a Dorinha – começo a perceber onde está o valor da ideia. A sociedade precisa de doutores, de cientistas, de pesquisadores que abram caminho para o conhecimento, mas, igualmente, necessita do pedreiro, do construtor, do carpinteiro, do balconista, do lavador de carros, do gari. Então, se homem ou mulher não se sente capaz de abraçar profissão, dita de nível superior, formada pela universidade, que ele ou ela seja profissional de outro nível e de boa qualidade, de acordo com seu talento.

– Tudo muito bonitinho – intervém Manelão – não que queira contrariar a ideia, pois assim também penso, mas que isso daria um nó na cabeça de muita gente, ah, daria!

Todos se voltam para ele a perguntar: como? O quê? Por quê?

– Vocês já imaginaram filho de figurão, cheio de “dr” à frente do nome, peito coberto de medalhas, chegar ao pai e dizer: eu não quero ser o senhor; quero ser pedreiro. Se o pai não tiver um infarto e cair duro, na hora, o filho será expulso, amaldiçoado, deserdado, lançado às hienas.

Tatão é que responde:

– Se o pai morrer, azar dele! Se acontecer a segunda hipótese, o filho terá oportunidade de assumir e provar que pode ser diferente, mas igualmente útil como o pai. Esse tipo de preconceito é muito comum e precisa ser combatido e erradicado. A comunidade humana necessita de trabalhadores de todos os ofícios produtivos, bem como de trabalhadores não qualificados, não importando sua origem, mas não precisa suportar parasita, “filhinho de papai”, pronto para delinquir.

– A exemplo dos que põem fogo em índio, a título de brincadeira; matam moradores de rua e homossexuais, a título de limpeza social; organizam-se em quadrilhas de assaltantes, a título de atividade lucrativa, etc. – completa Dorinha.

– E o mais engraçado – diz Manelão à Dorinha – é que, pouco tempo atrás, toda violência detectada era atribuída à miséria e ao desemprego, constituindo grande ofensa à massa trabalhadora, que passava ou ainda passa por dificuldades, sem avançar sobre o que não lhe pertence, e aos miseráveis que não têm dinheiro para adquirir e nem força para empunhar arma do porte das que são vistas nas mãos de bandidos.

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