Coisas de ontem... e de hoje XCVI

08 de Abril de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A conversa, em torno do sistema educacional, continua a prender a atenção do grupo de velhinhos, todos eles saídos da velha escola primária, representada pelos quatro primeiros anos de estudos, a partir dos sete anos de idade. Dolores é quem recorda como era a escola, a começar pelo material levado de casa.

– Vejo, hoje, as crianças indo à escola, pela primeira vez, e me surpreendo com a quantidade de material, que não se consegue carregar sem o uso da mochila. Nas primeiras vezes que fui à escola levava apenas um caderno de oito folhas, um lápis preto e uma borracha. Depois de alguns dias, recebi uma cartilha na qual se aprendia a soletrar as primeiras palavras. No primeiro ano, só se escrevia a lápis. Escrita a tinta só a partir do segundo ano, quando o tinteiro e a pena de molhar se tornavam ferramentas indispensáveis e causadores de desastres coloridos. É que os tinteiros tombavam nas carteiras, derramando a tinta em tudo que elas continham. Saía-se de casa com a blusa, imaculadamente, branca; voltava-se com ela manchada de tremendo borrão azul.

– A escola era muito pobre – acrescenta Lazinha, que continua – água não havia nem para beber, se a professora não providenciasse junto a vizinhos mais próximos.

– Contudo, o que se aprendia era muito mais do que hoje, em nove ou dez anos de escola – esclarece Quinzão.

Dolores lembra-se de algo e pergunta:

– E ao falar em escrita a tinta, quem se lembra o que escolares mais procuravam em farmácia?

A turma se embatuca, não atinando com nada e ela mesma responde:

– O mata-borrão, gente!

– Vixe! – exclama Chiquinha – como as coisas simplesmente desaparecem e não nos damos conta disso.

– Não me lembraria mesmo – confessa Narita – entretanto fui uma das que mais procuravam mata-borrão, pois tinha mania de colecioná-los. O mata-borrão, em sua face lisa, era o grande veículo de propaganda de medicamentos. Bastante coloridos, chamavam a atenção para as qualidades do medicamento anunciado e seu correspondente laboratório. Quem escrevia não podia ficar sem o mata-borrão, pois a tinta tardava a secar, exigindo a aplicação daquele papel poroso, que cumpria o papel de absorver o excesso de tinta, antes que simples descuido com a mão pusesse todo o trabalho a perder. A introdução da esferográfica fez desaparecer o mata-borrão, a caligrafia e o modo correto de empunhar a caneta ou o lápis.

Dorinha, um tanto calada há algum tempo, faz observação:

– Quanto à caligrafia, percebe-se que, raramente, se vê escrita no estilo caligráfico, mas quanto à maneira de segurar o lápis ou caneta no ato da escrita.

– Daqui pra frente – diz Narita – passe a observar como a grande maioria empunha ferramenta da escrita de formas diversas, enquanto todos nós, do tempo da pena de molhar ou da caneta tinteiro, temos uma só forma de empunhar aqueles instrumentos.

Tatão retoma o fio da conversa anterior:

– Observem vocês que, naquela época, havia também muita evasão, com a diferença de que aqueles, os com mais dificuldade no aprendizado, saíam da escola para trabalhar. Não progrediam no aprendizado, mas posteriormente se revelavam bons oficiais em suas atividades. Havia também muita pressão de pais, menos conscientes, pela retirada do filho, com vistas a colocá-lo no trabalho. Contudo, se a criança tinha bom aproveitamento, sempre havia quem a defendesse. Espontânea ou sob pressão de pais, evasão ainda existe, vindo, em seguida, a ociosidade, que deságua na marginalidade.

– No lado oposto da questão – interfere o Mário – tive colegas que foram até o fim do curso, sem aprender muita coisa, embora se esforçassem para tal.

E volta Tatão:

– Os maiores obstáculos com os quais se deparam muitos jovens, na decisão de suas vidas, é a permanência infrutífera na escola, contra suas vontades e por longo tempo. Entre os mais talentosos é a imposição de pais, na escolha da profissão. Há brigas homéricas quando as vontades entram em choque. E, quase sempre, quem perde é o jovem.

– É natural – diz Quinzão – que profissional de sucesso queira ver o filho na mesma trilha.

– Tudo bem, até certo ponto – pondera Tatão – desde que não se esqueça de que, fora da área biológica, “filho de peixe peixinho é” nem sempre se confirma. Talentos, personalidade e outras qualidades a formar o indivíduo podem não ser herança dos pais.

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