Coisas de ontem... e de hoje XCVIII

18 de Abril de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

– Vejam que no caso da Previdência Social – prossegue Tatão – além da aposentadoria injusta, pune-se o aposentado por algo que lhe foge ao controle, ou seja, a instituição escora-se nele para aparentar organização e seriedade, capa superficial que encobre falhas e mais falhas na origem da péssima assistência prestada aos seus “segurados”. Tanto na Educação quanto na Previdência Social, apela-se a recursos marotos para camuflar a deficiência. Mas isso, gente, não é exclusivo desses setores, ocorrendo o fenômeno em toda a administração pública. Na política, há parlamentares, por exemplo, que fazem um barulho danado, dando impressão ao público de que muito trabalham. Ao fim do mandato, apurado o resultado, ver-se-á que eles pouco fizeram, além de dar nomes a logradouros públicos, criar “dia disso”, “dia daquilo”, aprovar leis inócuas, já definidas pela Constituição, ou o oposto, configurado em projetos inconstitucionais. O que eles fazem durante todo o mandato é manter as aparências diante do eleitorado, visando à reeleição.

– Por essa mesma razão – intervém o Mário – há administradores públicos que evitam obras de infraestrutura. Tais obras não deixam marcas visíveis, as aparências, que os promovem.

E Tatão retoma o curso da conversa:

– Enquanto o Mário fazia sua observação, lembrei-me de outro exemplo. Faço questão de relatar o caso, por questão de justiça, reconhecendo que a prática de supervalorização da aparência ocorre, embora com menor frequência, também no setor privado. Em minhas andanças como trabalhador, trabalhei numa indústria, cujos papéis contábeis, em sua aparência, recebiam mais atenção que seu conteúdo.

– O quê? – surpreende-se Dorinha – eu a imaginar prédio vistoso a camuflar a esculhambação interna e você vem com essa? A coisa era bem mais séria.

– Seríssima – confirma Tatão, continuando – relatórios mensais de custeio eram, obrigatoriamente, ornados com traços multicoloridos (quatro cores) milimetricamente calculados, usando-se para isso, canetas específicas. Funcionários do setor não podiam nem pensar em alterar o estabelecido. Quanto aos números encontrados por eles, nem sempre eram transpostos, em sua verdadeira essência, para o formulário oficial. Descobriu-se, mais tarde, falseamento dos resultados conveniente a grupo que se locupletava dentro da empresa, mediante desvio de material.

– Presumo que essa situação não tenha perdurado por muito tempo – observa Quinzão.

– Nem havia como! A fábrica acabou por encerrar suas atividades!

– Entre o setor público e o privado, a diferença é que, no primeiro caso, toda a população sofre consequências e, no segundo, apenas um grupo – observa Dorinha.

Dolores não espera que Tatão a rebata:

– Aí é que você se engana, minha cara! Pode não ser toda a população, mas o grupo afetado, no caso do setor privado, é bem maior do que você imagina. Fora da empresa, há que considerar credores, fornecedores, prestadores de serviços e todos que se relacionam com ela, de uma forma ou de outra. E, por fim há o consumidor, que sofre falta do produto no mercado e, por isso, acaba por pagar mais caro.

– Isso mesmo – confirma Tatão – é preciso entender que tudo está interligado. Uma pessoa, um fato, pode parecer isolado, mas não é. Tudo é parte do todo! E a questão da falsa aparência, é bom não se esquecer, que tudo começa na pessoa. Para a imagem pessoal, a sociedade estabelece padrões, dos quais não se pode fugir. Vestir-se de modo inadequado, por exemplo, é meio caminho para a desclassificação em seleção para fins de emprego, dependendo do cargo ou função oferecida, variando também de empresa para empresa. Valores interiores quase sempre são olvidados e capacidade de trabalho é medida por diplomas apresentados. Indivíduo andrajoso ou não bem proporcionado fisicamente corre risco de ser levado à lista da marginalidade, ainda que dotado das melhores qualidades morais, espirituais e intelectuais.

Enquanto o bate-papo prossegue com predominância do diálogo entre dois ou três, Manelão ouve, atento, e, em dado momento, interfere:

– Vocês censuram a supervalorização da aparência, mas, ela pode ser bem vinda e indispensável.

– Ora, que é isso, Manelão? Você se coloca a favor da falsidade!... – protesta Dorinha.

– Ah! é? Queria ver você a visitar sepultura, se a realidade, abaixo do gramado das modernas necrópoles ou dentro dos mausoléus das antigas e tradicionais cidades dos pés-juntos, estivesse exposta sob a característica fedentina.

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