Coisas de ontem... e de hoje XIII

28 de Maio de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Enquanto discorre sobre o incidente na última fase de sua infância, o jeito zombeteiro do Manelão desaparece, deixando em sua expressão facial um quê de respeito e reverência, que a todos comove, sob o silêncio a falar mais do que palavras. Em outras ocasiões, haveria manifestações ruidosas, mas, desta vez, o grupo não faz gozações com o amigo. Quem quebra o silêncio, ao fim do relato, é o Tatão:

– Mas, diga-me, qual marca a experiência deixou para você, no seu íntimo, na sua formação?
– Gente, não posso dizer que foi ela a definitiva, para que eu aprendesse a me tornar pessoa mais convivente, solidária, enfim, cidadão, se não exemplar, pelo menos, aceitável. Ela foi uma das muitas vezes, em que pai e mãe tiveram que agir com rigor, para que eu não me perdesse nalgum desvio. Minha rebeldia prenunciava futuro incerto, se ajustes não se fizessem. Vigilância paterno-materna foi decisiva para que eu me reorientasse, pois aquela não foi a única vez em que minha dissintonia social aflorou em ação danosa. Hoje, estou consciente de que era egocêntrico ao extremo; queria que tudo se fizesse de acordo com minha vontade, não admitindo qualquer contrariedade. Por diversas vezes, meus pais tiveram que intervir, às vezes de forma violenta, seguindo-se muita conversa séria em torno do meu comportamento e o que ele poderia me trazer no futuro, que hoje vivo.
– Mas, você tinha alguma raiva dos seus pais? – pergunta, novamente, Tatão.
– Não, não tinha raiva deles, mas não aceitava as regras. Cria que fossem apenas picuinhas contra o meu modo de ser.
– E as surras que levava, vez em quando? – volta o Tatão.
– Elas me deixavam furioso e com muita vontade de revidar, de me vingar.
– Verdade? Contra seus pais? E por que não consolidou seu desejo? – quer saber a Dolores.
– Eram meus pais e eu os respeitava; amava-os, ainda que não concordasse com as regras impostas.
Puxando seu marido com um abraço, Chiquinha exclama: – Esse era meu Mané, então escondidinho, que ainda desabrocharia! – e Manelão continua:
– Nos momentos de paz, ou seja, de não confronto, eles me respeitavam, davam valor ao que fazia, como o meu aproveitamento escolar, por exemplo, que era muito bom. À medida que fui me amadurecendo, compreendi o quanto de amor paterno-materno estava por trás dos rigores da educação, que me era proporcionada.

Tatão intervém novamente: – Você não é o único. Levante a mão quem nunca levou sequer um tapa de pai ou mãe! Manifeste-se também quem que, tendo apanhado, guarde rancor por isso.

Ninguém se movimenta e Manelão continua: – Não aprovo pancadaria, surras violentas, mas não guardo nenhum rancor contra meus pais. Também não economizei corretivos equilibrados aos meus filhos e penso que assim deve ser. Considero a proibição da palmada grave interferência na autoridade doméstica, na educação, além de estímulo à delinquência infanto-juvenil, que tem início no lar.

– Concordo – diz Quinzão – palmadas economizadas no recinto doméstico, o filho pode tê-las, mais tarde, com juros e alta correção monetária, na rua e, pior, da polícia. Quem não corrige seu filho com rigor, no momento certo, pode estar conduzindo-o à marginalidade, pela qual acaba pagando caro demais, de diversas formas ou com morte prematura.

Narita ouve, acenando concordância com movimento da cabeça e fala:

– A impunidade, gente, contraria a própria natureza, que não deixa de cobrar por qualquer violação, que lhe é feita. Ainda que bebê, leve um dedo à chama e o terá queimado! Lance pedra para o alto e poderá tê-la de volta sobre a própria cabeça. Nada fica impune! Animais também punem seus filhotes, quando estes quebram as regras. Por que o ser humano tem de ser diferente, com agravante da imposição governamental? Para os exageros, configurados em surras e castigos violentos, existe a lei comum, que deve ser aplicada conforme cada caso, mas a tal lei da palmada é abertura à rebeldia dos filhos no lar.
– A conversa se desviou para castigos domésticos e nós não tivemos o final do restauro do chão – reclama Dorinha – faça o restante do relato, Manelão!
– Na verdade, Dorinha, estava chegando ao fim. Colocada a última camada de terra, devidamente nivelada, fazia-se a compactação por meio de soquetes de madeira. Para arrematar, espalhavam-se folhas verdes de bananeira, sobre as quais o pessoal da casa pisava durante dois a três dias, tempo suficiente para a terra úmida se secar.

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