Coisas de ontem... e de hoje XIV

11 de Junho de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Dorinha ouve o Manelão a concluir a narrativa que, do trabalho de restauro do chão das casas mais simples passou ao seu drama pessoal. Assim como os demais, ela queria que o papo retornasse ao clima de antes, sem qualquer imersão em questões que trouxessem lembranças desagradáveis. Podia-se ver nos olhos de cada um o arrependimento por ter forçado Manelão a relatar seu drama. E isso até ele percebeu:

– Noto que vocês ficaram um tanto melancólicos, ao contrário do que provocam minhas patacoadas nessas ocasiões. Não precisam ficar constrangidos porque não me incomodam essas lembranças; até gosto de relatá-las como espécie de exorcismo de quaisquer resquícios daquilo que fui e afirmação da superação alcançada.
– Tudo bem, Manelão. Mas, que tal voltarmos aos antigos usos e costumes? – provoca Dorinha, que continua:
– Pelo visto, no arremate do restauro do chão, a bananeira estava presente não só nos quintais; tinha outras utilidades, além de fornecedora de bananas.
– É verdade – exclama Dolores – e vamos cair novamente no colchão de palha.
– E, por quê? – indaga Quinzão.
– Você se esquece onde era apoiado o colchão; não era numa esteira? E de que era feita?
– Não me lembrava mesmo!
– Aquelas esteiras eram muito úteis – acrescenta Lazinha – não era só como apoio para o colchão no catre. Sobre elas, estendidas no terreiro ou no gramado, tomava-se sol em dias de frio; nelas, estendidas no chão, bebê quase a engatinhar era colocado, sob a vigilância da mãe a coser, cerzir, bordar, etc.
– Agora, Lazinha, é você que me põe a voar... catre? – Dorinha questiona novamente – que diabo é isso?

Com boa risada, Tatão se adianta para fazer gozação e explicar: – Não sabe mesmo ou quer dar uma de garotinha?
– Ora, Tatão, larga meu pé! Que é mesmo catre?
– É cama rústica, feita por qualquer carpinteiro habilidoso. Elas não tinham estrado e os varais eram ligados, em espaços regulares, por réguas removíveis. Sobre essas réguas, então, se assentava a esteira e, finalmente, sobre esta, o colchão de palha. E quanto às esteiras, muitas donas de casa ajudavam no orçamento doméstico com a sua confecção.
– Minha avó paterna era uma delas – observa Narita – Ela se sentava diante daquela armação retangular para fazer uma esteira e só se levantava quando ficava pronta. Lembro-me que resmungava muito quanto à qualidade das hastes de folhas, que lhes levava a pessoa encarregada de colhê-las. Instruía aos que disso se encarregavam para que apanhassem somente as folhas mais longas e bem secas. Hastes longas eram obtidas das bananeiras, prata, mais robustas e mais altas. Antes disso, porém, era necessário colher e preparar a embira com que amarrar as hastes, na formação da esteira. Alguém ia ao mato colher a embira ou a encomendava a uma lenheira amiga. Em casa, a embira era colocada dentro d’água e aí deixada por alguns dias para amaciar, antes de ser posta a secar à sombra.
– Caramba, mesmo para dormir em colchão de palha, havia um trabalhão danado – comenta Dorinha.
– E muita tecnologia de fundo de quintal – acrescenta Manelão. E mesmo assim o pobre era feliz!

Tatão, mais velho e mais bem informado do grupo, intervém:
– De fato, o pobre era feliz; seus sonhos de consumo eram mais simples. E já que se fala em cama e colchão, no tempo em que não havia o automóvel para preencher a fantasia, o sonho de muitos, era a cama Patente; quem se lembra dela? Dela Dorinha deve se lembrar, não?
– E como não? Era o pula-pula da meninada, na minha época. E eram mesmo poucas pessoas que as possuíam.
– Eram leves e muito práticas, montáveis e desmontáveis em poucos minutos – continua Tatão. A cama Patemte, que introduziu novo conceito de mobiliário, foi projetada por espanhol radicado no Brasil. As primeiras foram fabricadas em Araraquara-SP, para substituir, numa clínica, camas de ferro importadas da Inglaterra. Infelizmente, o espanhol, que se chamava Celso Martinez Carrera, não registrou a patente de sua criação. Diz-se que parceiro seu, um italiano, a registrou no próprio nome e a denominou, ironicamente, Patente, nome com o qual a cama chegou a todo o Brasil.
– Ah! Carcamano fidumaégua!!!...grita Manelão.

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