Coisas de ontem... e de hoje XV

12 de Junho de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

A reação característica do Manelão, em protesto contra a suposta deslealdade do italiano que patenteou a cama criada pelo espanhol Celso Martinez Carrera, mostrou a todos que ele voltara a ser o que era: alegre, brincalhão, debochado e irreverente. O grupo caiu na gargalhada e o papo prosseguiu com a Dolores a provocar lembranças de detalhes na vida da dona de casa, entre as mais pobres.

– Quem se lembra como era varrido o chão das casas?
– Com vassoura de alecrim – responderam quase em coro –... do campo – emendou a Chiquinha, complementando: – A distinção é necessária, pois há duas espécies de alecrim: a do campo e a do jardim. O alecrim do campo, como o próprio indica, era colhido no campo. As lenheiras costumavam trazer, junto ao feixe de lenha, um amarrado de alecrim suficiente para se fazer uma vassoura.
– E como ficava cheirosa a casa, depois de varrida com a vassoura de alecrim! – exclama Dolores, sob o olhar debochado do Manelão, que se vira para o Mário, ao lado e diz: – todo o bloco masculino passa a se comportar como você: ver e ouvir, porque a conversa pende para as especialidades das mulheres. Não há espaço para a fala dos homens.

Chiquinha ouve e justifica: – homem conta vantagens, esquecendo-se de que nós, mulheres, também temos nossas especialidades e as executamos, às vezes, com mais proficiência do que os homens em relação às suas – dito isso, puxa o marido pelo ombro, dizendo: – não fica com ciuminho, não, porque vocês não estão proibidos de falar!
– Não se esqueçam também – intervém o Tatão – de que vassoura na boca de muitos era bassoura. E é engraçado porque, embora a forma “bassoura” fosse considerada errada, própria da fala caipira, criticada por muita gente, ela é registrada pelos dicionários. É do grupo de palavras com duas formas para o mesmo significado: vassoura/bassoura, samambaia/sabambaia; loura/loira, ouro/oiro, toucinho/toicinho, cotidiano/quotidiano. É claro que a forma bassoura, praticamente, não se usa mais, ao contrário das outras ainda usadas nas duas formas.
– Chiii!... Tatão e sua erudição! – protesta Dorinha.
– Deixemos essas firulas linguísticas de lado e voltemos à praticidade – atravessa Larita – Alguém sabe por que se dava preferência à vassoura de alecrim nas casas de chão?
– Será porque, praticamente, não tinha custo? – indaga Quinzão.
– Será devido ao cheirinho, como disse a Dolores? – é o Manelão com seu ar debochado.
– Nada disso, suas antas! É porque a piaçava, sendo mais dura, desgastava o chão mais rápido. O alecrim, ao contrário, proporcionava varrição menos agressiva, conservando o chão por mais tempo. Com isso a dona de casa poupava o marido. Na recomposição do chão ele tinha menos trabalho.
– Você se esquece de que o marido ainda poupava o custo da vassoura de piaçava – acrescenta a Chiquinha.
– É a inventiva, a capacidade de observação e a criatividade humana, postas em prática no contorno de situações e na adaptação às condições sociais – explica Tatão.

Chiquinha continua: – E dentro desse espírito, a mulher tinha que ter visão para bem administrar o lar, não comprometendo, ainda mais, os esforços do marido então sozinho como seu provedor. A grande maioria das residências não era servida por água encanada e, por isso, a luta diária da dona de casa, depois de despachar o marido para o trabalho e os filhos para a escola, começava pelo provimento de água, captada em chafarizes públicos. Conforme a distância da residência ao chafariz mais próximo, havia que andar cerca de duzentos a duzentos cinquenta metros. E não se podia escolher a hora para o cumprimento dessa tarefa, pois água era liberada por período de três a quatro horas pela manhã e outro por cerca de duas horas a partir das quinze. As filas eram inevitáveis.

Dolores interrompe a Chiquinha com a observação:

– Você fala em água e isso nos leva à questão da lavagem de roupas, tarefa das mais pesadas para a dona de casa daquela época. Algumas cuidavam disso em duas etapas: a primeira, em casa com a água apanhada nos chafarizes e, a segunda, em bicas públicas, como aquela da Rua Fonte Fora e outras no velho açude. Aliás, do açude vinha a melhor água potável daquela época. Quem podia pagava aguadeiras pelo fornecimento.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook