Coisas de ontem... e de hoje XXII

30 de Julho de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Em sobressalto diante da onda de violência e investidas contra a propriedade alheia, o grupo alterna seu estado de humor entre a melancolia e a indignação, em contraposição aos propósitos da reunião, que seria o lazer e a recordação de fases importantes de suas vidas. Percebe-se, nos semblantes, a angústia que os ataca no íntimo. Manelão, conhecido como o “molecão” do grupo, é também, embora não pareça, o de sensibilidade mais apurada e, por isso, o que mais rápido detecta a inconveniência de se manter o bate-papo naquele clima. De repente, levanta-se e, dando forte tapa na mesa, exclama:

– Gente, chega de papo sobre fatos negativos do momento. Nós nos reunimos para nos divertir e não para sofrer, por antecipação. Discussão sobre o assunto, neste momento e local, não trará solução. Portanto, vamos voltar ao que antes relembrávamos?
– Boa!!! Muito boa intervenção Manelão! – quase grita a Dorinha, acompanhada de palmas dos demais – chega de repisar nosso descontentamento com a situação atual. Este momento é de relax.
– E sobre o quê conversávamos antes? Já nem sei – indaga Lazinha.
– Falava-se da lenha, sua procedência, como era adquirida, coisas assim – esclarece Dolores, chamando a atenção do grupo para algo, relacionado com o assunto, que o Manelão tem a contar: – No momento em que a Narita atendia ao telefone para receber a notícia do assalto à sua vizinha, Manelão começava a contar uma história relacionada com a atividade dos lenheiros e lenheiras. Pelo que percebi, seria uma molecagem como ele mesmo, Manelão, dizia.

Assanhado em torno do que seria mais uma peraltice, na adolescência do Manelão, o grupo faz pressão para que ele recomece o relato interrompido. A bater mãos espalmadas sobre a mesa, a turma cobra:

– Conta! Conta! Conta!....

Manelão reluta ou finge relutar, pois essa é uma de suas manhas. Argumenta que se trata de bobagem atoa, caso sem importância e coisa e tal, não vale a pena. Mas, o pessoal insiste. Chiquinha, embora ao lado marido, tinha sua atenção voltada para outro ponto no momento em que ele teve o relato interrompido. Ao ouvir algo mencionado por Dolores, ela pergunta:

– É o caso do sal?
– Sim, parece que o caso tem relação com sal – confirma Dolores que, em seguida, devolve a pergunta – você o conhece?

Chiquinha dá uma gargalhada antes de dizer: – o caso é bastante engraçado. Como sempre, nas trapalhadas, ele estava em companhia do mesmo garoto do episódio do gambá. Lembra-se? O gambá que, na verdade, era um Chevrolet 40.

Quando percebeu a atenção focada sobre si, Manelão começou:

– É, gente, também eu já fui lenheiro; não propriamente por necessidade, porque lá em casa, papai renovava o estoque de lenha regularmente, adquirindo-a de tropeiros. Mas, para quem gostava de aventura catação de lenha, no mato, oferecia oportunidade de conhecer e experimentar coisas novas. Tinha em companhia o mesmo amigo de sempre, ao qual se referiu a Chiqunha. Para chegar ao mato ao qual nos dirigíamos, naquele dia, havia que passa dentro de uma palhada (o que sobra do milharal depois da colheita). Como já disse, nosso objetivo era mais aventura; catação de lenha era apenas pretexto para a busca do novo, do misterioso. Vimos o rancho de apoio (onde se guardavam ferramentas ou se preparava comida, durante o trabalho na roça) e decidimos verificar se havia algo interessante. Não podia haver nada interessante, além de ferramentas e outros objetos comuns, mas ao ver algo branco sobre um jirau, fui conferir. Era um saco fechado de sal, pesando talvez uns dois quilos. Meu parceiro perguntou se eu pensava em levar o sal para casa e eu respondi que tinha outra ideia, mas não lhe disse qual. Deixamos o rancho e nos embrenhamos no mato, em direção a uma nascente. Junto à nascente expliquei ao amigo: – Algo em torno de cem metros abaixo está o ponto de descanso das lenheiras, onde aproveitam para beber água. Deixemos o saco de sal aqui na nascente e vamos observar o que acontece, quando elas beberem – Em seguida, postamo-nos à espreita, de forma que não fôssemos vistos, e aguardamos a passagem das lenheiras. A primeira que chegou, depôs o feixe de lenha e baixou à bica. Sua sede era tanta que bebeu bons goles sem perceber diferença. Quando percebeu, passou a gritar: – Ai minha Nossa Senhora... vou morrer, gente! Acudam-me! As demais, chegando logo em seguida, encontraram-na em desatino e não entendiam o que se passava. – O que foi? O que foi? - Perguntavam todas. Ela então apontou: – A água, a água! Outras provaram da água, cuspindo-a, em seguida. Alguém levantou a hipótese de haver animal morto, à montante da bica. Aí foi que a pobre mulher se desesperou de vez.

– E vocês dois? – pergunta a Glorinha.
– Tive vontade de morrer, de vergonha e por medo do que pudesse acontecer com a minha vítima.

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