Coisas de ontem... e de hoje XXIX

05 de Outubro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O grupo ouve a crítica um tanto maldosa, da Dorinha, referindo-se ao termo “ristinga”, antigamente empregado para rotular o meio rural e pessoas nele residentes. Mas, quem rebate é a própria Chiquinha.

– Até que pode ser, Dorinha, não vou contestá-la, mas o termo não é menos preconceituoso que outros por nós mesmos usados. Considere, por exemplo, a palavra urbanoide, usada especialmente para designar pessoa residente em grande centro, em apartamento, e fora de sintonia com a natureza. Nós, residentes, em localidades menores, comumente, nos referimos ao citadino dessa forma. Usamos também as palavras “bacana” e “grã-fino” na rotulação do mesmo indivíduo. E ninguém reclama. Não há, nesses termos, nenhuma conotação de diminuição das pessoas. São apenas referenciais.

– Muito interessante sua observação, Chiquinha – é a tranquila Lazinha, mais ouvinte do que falante. Ela prossegue: – percebe-se, ultimamente, tendência patrulheira em torno do que se diz. Há censura hipócrita em cima de tudo. Bobagem dita, sem qualquer conotação discriminatória, é motivo para ação judicial.

Manelão, que se mostra inquieto ante a súbita manifestação da Lazinha, dá seu palpite:

– Ah! entende-se agora por que você é tão calada.

– No fundo, até pode ser, como característica da minha personalidade, uma maneira de escapar a prejulgamentos. Mas, olhe que está difícil emitir opinião, livremente, sem cair na malha dessa censura besta, idiota.

– E o pior é que esses censores – intervém Dolores – julgam como se fossem limpos, ou não tivessem preconceitos. Se não têm preconceitos, de qual espécie são? O preconceito, na verdade, é inerente à natureza humana. Todos temos algum tipo de preconceito; concorda comigo, Tatão?

– Você tem razão; o que diferencia um do outro indivíduo, “preconceituoso” e “não preconceituoso” é a forma de lidar com o fator preconceito. Um exacerba sua posição, não esconde nada e, assim, agride e ofende seu semelhante; outro se resguarda, consciente da ofensa, se manifesto o próprio pensamento. Mas, atualmente, há certo exagero nas cobranças, especialmente com relação ao preconceito racial.

– Não sei se já repararam – observa Manelão – para definir pessoa da etnia negra, a moda, dita politicamente correta, encerra incoerência cavalar.

O grupo se entreolha, sem entender o que Manelão quer dizer. É Dolores que, batendo com a mão na testa, diz:

– Sei a que você se refere: é a palavra “afrodescendente” – mas, Dolores deixa que Manelão esclareça seu pensamento.

– Vejam bem, para ser correta a definição, a África teria que ser totalmente negra, mas não é. Logo o termo não pode definir exclusivamente pessoas negras ou resultantes da miscigenação. Louro de olhos azuis, nascido na África, é africano como qualquer outro. Como diria minha avó, é muita “bubiça” que se cria para defender o ideal da igualdade na espécie, em lugar da educação para o respeito e para a prática da igualdade entre os seres humanos.

– Como se não bastassem esses artificialismos maldosos, vem o protecionismo legal com o sistema de cotas. Em lugar deste, o politicamente correto seria fazer valer a Constituição que garante a igualdade de direitos entre todos os cidadãos. Protecionismo provoca injustiças, acirra a discriminação e fomenta a discórdia – é a voz do Tatão a reforçar a opinião do Manelão.

– Gente, como a conversa avançou, ganhou contorno mais amplo... tudo a partir da minha crítica infeliz com relação ao conceito de termo local. A persistir neste rumo, daqui a pouco estaremos imersos nas profundezas da filosofia – diz Dorinha.

– Nada disso – corta Chiquinha – sua crítica até que foi oportuna. Aliás, você mesmo acaba de reconhecer que a conversa avançou, abrindo espaço para a discussão de tema atualizado. E isso aconteceu a partir da alusão a “ristinga”, expressão local, do tempo das azagaias, que nenhum dicionário registra. Veja como uma conversa pode ser produtiva!

– É possível que “ristinga” seja corruptela de restinga, registrado nos dicionários como “faixa de areia ou de pedra que se prende ao litoral e avança pelo mar”. Embora na conotação local não haja relação com mar, a expressão pode ter sido introduzida pelos portugueses, mais afeitos ao mar, para definir parte isolada, porém não totalmente desligada da comunidade maior. E os locais substituíram o “e” pelo “i” – explica Tatão.

– A explicação faz sentido. E como nós, mineiros, temos o hábito de empregar o “i” em lugar do “e”, mais fácil se torna concordar com o Tatão – conclui Dolores.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook