Sem querer, querendo

27 de Setembro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Prometi voltar, nesta edição, ao encontro do grupo dos idosos a se divertir com reminiscências de sua mocidade, comparando-as com fatos e costumes da atualidade. Sinto, entretanto, a necessidade de protelar o retorno, ocupando este espaço com outro assunto, não programado e não urgente, mas que nos incomoda guardar, ainda que a identidade do criticado seja resguardada, seguindo a mesma linha da crítica original.

É da minha personalidade, dizer o que penso, não tudo, porque às vezes percebe-se que o verbo pode chocar e confundir. E se ele, o verbo, ao invés de luz, traz mais trevas, melhor então o silêncio. Mas, fora desses limites, não vejo porque calar-me, refugando a liberdade, ainda que ameaçada, de dizer o que penso sobre o que quer que seja. Tive oportunidade de dizer, em outras ocasiões, que não escrevo para agradar a ninguém, de A a Z. Se, eventualmente, agrado, tudo bem; se não, o mundo não acaba por isso. E vamos em frente porque atrás vem gente.

Primeiro, apresentemos uma historieta, artifício da imaginação que considero bom para facilitar a compreensão de algo real ou presumidamente real. Durante conversa em grupo, pessoa conta ter tido um sonho: sonhou que, sem ser notado, ouviu conversa de homem e mulher não identificados. Os dois casados, não entre si, combinavam encontro e maneira de ludibriar respectivos cônjuges. No dia seguinte, a esposa do envolvido estava, misteriosamente, morta. Surpreendentemente, um dos ouvintes se exaspera: – “Não, não houve crime; a própria polícia concluiu que foi acidente. Eu não matei minha mulher”. Os circunstantes, de olhos arregalados, ouvem e se mantêm estáticos, como se lhes fugisse a compreensão daquelas palavras. Tinham conhecimento da morte da mulher e da conclusão a que chegara a polícia quanto ao que a provocara. Entretanto, os antecedentes imediatos à tragédia, eram completamente desconhecidos de todos, mas se tornaram evidentes diante daquela reação.

Bem, conforme dito anteriormente, o caso é fictício, ou seja, não aconteceu na vida real, mas serve para explicar o que leva pessoa a se denunciar, defendendo-se, sem que, diretamente, lhe tenha sido dirigida qualquer acusação. A culpa pesa sobre a consciência, que cobra reparos ao mal feito, e, em contraposição entra a vontade de preservar a própria imagem diante do público, que julga o indivíduo mais por atos praticados do que pela essência do ser. Nesse conflito, desgastante para o indivíduo, acaba por intervir o inconsciente que, independente da vontade, se manifesta pró-reparação do mal. Então, sem querer, o indivíduo se trai, revelando, de alguma forma, estar sob o peso de uma culpa, que pretende dissimular para escapar ao julgamento do público.

Em edição das mais recentes e outra seção deste jornal, publicou-se nota com críticas ao comportamento de grupo dentro de certa instituição sem, contudo, identifica-la, ou quem quer que fosse com ela ligado, omitindo-se ainda sua localização, podendo esta ser em qualquer parte do território tupiniquim. Era apenas comentário em torno do que se fez e como se fez – segundo informações confiáveis – considerado incorreto, em análise com base no bom senso, sem considerações de outra ordem, ainda que se suponha a lei em sentido contrário. Embora sabendo a quem (grupo) pertencia, lançou-se o chapéu ao alto, esperando que caísse e fosse direto ao chão, sem quem se interessasse e o interceptasse. Seria normal a crítica lida / ouvida e seu alvo fingir-se de morto, como se ela nada tivesse a ver consigo, embora atingido e disso consciente. Não há porque pessoa negar autoria de algo indesejável, se nada o liga ao fato questionado e, muito menos, se não lhe foi feita qualquer acusação direta.

A própria lei diz que a ninguém se obriga apresentação de provas contra si próprio; isso, diante de suspeita ou acusação de suposto delito. Menos obrigado ainda, diante de comentário solto ao vento, sem endereçamento que identifique autoria do feito. Daí, deduz-se que reclamação contra o comentário é assunção da culpa, apenas presumida e não conclusiva, contida nas observações feitas; é exposição pública, desnecessária e não cobrada; é atentado contra si próprio, considerando-se que sigilo e privacidade são direito de todos. Em ato falho, representante do grupo criticado reclamou da nota, sentindo-se atingido por ela, embora sua identidade não tivesse sido revelada. Freud explica!

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