Coisas de ontem... e de hoje XXX

05 de Outubro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Alguns dias depois daquele encontro, encerrado sob considerações em torno do significado de “ristinga” – expressão local para designar pequena localidade rural, afastada até dos rudimentos de vida urbana – o grupo lá está no mesmo local para, como diz o Manelão, a celebração da vida entre amigos. A dona do estabelecimento cuida para que a mesa do grupo esteja arrumada, no lugar preferido, onde não haja trânsito de outros frequentadores. Tira-gostos preferidos estão estrategicamente distribuídos em pequenas bandejas: mandioca frita, torresmo, linguiça (chamada “da roça” e feita com carne de porco, toucinho e bastante malagueta) chouriço. A contrastar com os salgados fumegantes, a “loura” mais gelada do mundo não demora e é recebida com euforia, em sucessivos brindes:

– À vida! – à saúde de todos nós! – aos anos de experiência que nos unem! – à velhice saudável! – aos idosos mais enxutos do pedaço!

– Ora, Dorinha, deixe de frescuras! O termo é velho mesmo – corrige Manelão, secundado pela Chiquinha:

– Segundo a mania da “reciclagem” de palavras e expressões no convívio social, o politicamente correto na classificação de pessoa que ultrapassou determinada faixa etária é idosa. Entretanto, pergunta-se: qual diferença isso faz na condição da pessoa? Nenhuma! Se há preconceito, descaso, humilhação, desrespeito contra a pessoa, não importa se ela é chamada velha ou idosa. O termo usado não melhora e nem piora as condições de ninguém. O mesmo acontece com a palavra pobre, substituída por carente. As condições vividas pelo pobre do passado e pelo carente, de hoje, são semelhantes, respeitadas as proporções em relação aos mais bem aquinhoados.

– E, quanto à idade avançada, considero o indivíduo nessa condição como principal responsável pelas condições em que vive e pelo tratamento que lhe dão – argumenta Tatão.

– Explique-se – diz Mário.

– A velhice não é condição que se atinge, de repente. Ela é resultante de cada segundo vivido e somado aos anteriores, desde o nascimento. Se, em parte, o indivíduo é produto do meio e das condições em que vive, outra parte resulta do que ele é em sua essência, do que pensa e do que faz, a partir do pensamento. É a qualidade dessa essência que faz a superação das condições impostas pelo meio.

Dolores ouve atenta e comenta:

– Se bem entendi o que você quer dizer, o próprio indivíduo programa sua velhice.

– De certa forma, sim, é isso mesmo – confirma Tatão – é a maneira como se vive e, sobretudo, a atitude mental, que determinam a qualidade da velhice.

– E a tendo alcançado, cuidar para não sucumbir às imposições externas, manter-se independente e não cair na improdutividade absoluta. A ociosidade na velhice é bem vinda, desde que dosada com alguma atividade produtiva, preferencialmente, espontânea – completa Dolores, que continua: – E se a pessoa, em idade avançada, goza de boa saúde, não há razão para se submeter à vontade de terceiros, deixando de viver como lhe apetece. Ela está viva e deve viver! Em relação ao preconceito, humilhações, não reconhecimento de seus direitos, a pessoa idosa, velha, anciã, ou qual rótulo lhe aplique, deve ser firme e, até mesmo, altiva, imperiosa. Respeito conquista-se de pé e não de joelhos!

– Bravo! Bravo! – a turma explode em aclamações às palavras de Dolores.

– Ó Dolores, tô com inveja d’ocê, danada! – é a voz da Chiquinha no meio do alarido – Ia dizer, mais ou menos, o mesmo que você disse.

– Não sei se já perceberam, mas a discriminação independe da idade avançada. A partir da aposentadoria, a profissão não mais é referência para a mídia. A pessoa passa a ser simplesmente aposentada, independente de seu trabalho durante o período de atividade regular – é Mário quem argumenta – Em minha opinião, pessoa aposentada não deixa de ser o que o foi, ainda que não mais exerça a profissão ou ofício.

– Concordo com você – diz Lazinha – e isso reforça a tendência de se anular, muitas vezes, seguida por pessoa, no momento em que se aposenta. O correto seria mencionar a profissão ou ofício, seguido da expressão aposentado. E nada impede que a pessoa, depois de aposentada, aprenda e exerça atividade diferente da anterior. Pode ser até que descubra profissão mais afinada com seu perfil.

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