Coisas de ontem... e de hoje XXV

24 de Agosto de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Graças à intervenção marota do Manelão, o tema do bate-papo desviou para o campo de gabiroba, provocou pilhérias e muito riso em torno de como era o namoro naqueles idos. Embalada pelas galhofas do marido, Chiquinha lembra ao grupo um pouco dos costumes em torno das arriscadas exposições femininas aos galanteios masculinos, donde podia surgir namoro, quiçá, noivado e casamento.

– Gente, a mulher tinha saído do carrancismo anterior, no qual namoro simplesmente não havia e a escolha do marido era feita pelo pai, o todo poderoso nesses assuntos, rebaixando a mãe à condição de alcoviteira, quando ousava defender os interesses da filha em questão.

– Era o suprassumo da ignorância, não se entendendo como se aceitavam tais comportamentos por parte dos ditos pais de família. Eu não aceitaria de forma alguma – manifesta-se a Dorinha, imediatamente rebatida por Chiquinha:

– Não joguemos pedras nos nossos ancestrais. Vale aqui o já dito por Tatão, em advertência ao Quinzão, que criticava a antiga prática da queima de mato, para cultivo ou, simplesmente, para fazer lenha. Era a cultura vigente na época. Vive-se de acordo com as circunstâncias do momento; ainda que nos pareçam injustas, refletem o pensamento e comportamento da maioria. Entretanto, nada impede que a minoria tente mudar a situação, por meio da educação. Questões sociais, como o caso da mulher, evoluem gradativamente à mesma proporção da educação oferecida a toda a coletividade.

Lazinha, muito atenta à exposição da Chiquinha, intervém:

– E o interessante é que costumes de cada época são sempre criticados como muito ousados, em relação aos anteriores. Nós nos considerávamos privilegiadas, porque tínhamos mais liberdade, podendo decidir com quem e quando casar. Entretanto, comparada aquela situação à de hoje, nós não tínhamos nada, continuávamos presas a muitas convenções, restrições, imposições e superstições. Que mulher, dita de família, se sentava a mesa de bar e bebia, como fazemos hoje?

– Se o fizesse, desceria ao inferno, em vida! – aponta Larita – a sociedade não perdoava. Vocês se lembram como as garotas procediam para encontrar rapazes?

– Você se refere às festinhas de aniversário? – indaga Dolores.

– Também elas, mas havia ocasiões mais bem aceitas pelos pais.

– Gente, eram os eventos religiosos! – acode Chiquinha – garota, que pretendia arrumar namorado ou necessitava de oportunidade para encontro, não perdia uma “reza”. Onde havia ofício religioso, lá estava ela.

– Mas, havia uma condição para isso, não se lembram? – é a Dolores a desafiar a memória das amigas. Diante do silêncio das demais, ela acrescenta: – quando não podia estar presente, a mãe encarregava irmão ou irmã entre as crianças, para acompanhar a jovem e a “policiar” no encontro com o namorado. Algumas cobravam relatório completo dos pequenos, no retorno a casa.

– Era diante dessa intrusão que a porca torcia o rabo – esclarece Manelão – pois cabia ao homem resolver essa parada, anulando a vigilância infantil, nem que fosse por breves instantes.

– E aí, Chiquinha, como se saía o seu Mané, nessas horas? – diverte-se a Dorinha.

– Como é bom de lábia e cheio de artimanhas, ele sempre conseguia driblar a vigilância.

– No caso dela – adianta-se Manelão – a situação era mais contornável, mas já me defrontei com outros pirralhos, ossos duros de roer. Queimei muitos trocados com balas e doces para tapear diabinhos e diabinhas, estas ainda bem piores!

Quinzão, curioso sobre o conceito gozado pelo amigo durante a juventude, pergunta:

– Já teve que enfrentar a fúria do pai de alguma pretendida? – Quem primeiro reagiu foi a Chiquinha:

– Chiii!!! conta pra ele, Mané.

– Certa vez, numa festa religiosa, iniciei namoro a uma gracinha de menina. Estivemos a conversar, durante toda a tarde, na presença da família; pai, mãe e mais três filhas. Terminada a procissão, a família tomou rumo de casa, em pequeno sítio afastado. Acompanhei a garota, perto de duas das suas irmãs, enquanto seus pais e quarta filha seguiam bem à frente. Quando chegamos à porteira da propriedade, o pai dela lá estava com espingarda em posição de tiro. Olhou-me bem nos olhos e disse, pausadamente: – Não o enxotei na festa, porque não gosto de escândalos e prefiro liquidar aborrecimentos de outra forma. Mas, daqui você não passa e não mais quero vê-lo perto de qualquer filha minha. Estamos conversados? – Voltei pesaroso, mas convicto de que minha vida estaria em risco, se persistisse na intenção de continuar aquele namoro.

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