Coisas de ontem... e de hoje XXVI

30 de Agosto de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O relato da frustração amorosa do Manelão era o que faltava, para que o grupo voltasse ao estado de espírito anterior à discussão sobre a violência e investidas contra o patrimônio alheio, graves fatos da atualidade. Imagine-se, logo o Manelão, pândego por excelência e hábil no contorno de situações embaraçosas, posto a correr pelo pai de pretendida namorada. A turma cai na gozação ao companheiro que, por sua vez, adere, fazendo pilhérias consigo próprio. Tatão, sempre pronto a pegar no pé daquele, não perde a oportunidade:

– E você entregou a rapadura assim, de bandeja? Onde foi parar seu espírito conquistador? Fico decepcionado com a sua atitude, embora tanto tempo tenha passado.
– Porque não foi você que teve uma cartucheira pela frente.
– Mas cartucheira é simplesmente cartucheira, não faz nada com ninguém.
– Se no gatilho não tiver um dedo nervoso, comandado por cabeça cheia de pensamentos, que ninguém conhece. O fato me chocou, pois durante o desenrolar da festa, sua filha ao meu lado, ele chegou a falar comigo e não deixou transparecer o que pensava. O homem era frio, calculista, matreiro; e é desses que vêm surpresas das mais desagradáveis.
– E ele não lhe disse mais nada? – indaga o Mário.
– Absolutamente, mais nada. Falou pausadamente, de forma que eu gravasse bem: não o enxotei na festa, porque não gosto de escândalos e prefiro liquidar aborrecimentos de outra forma. Mas, daqui você não passa e não mais quero vê-lo perto de qualquer filha minha. Estamos conversados? Ao fim, meneou a cabeça, arqueando as sobrancelhas a indicar o caminho de volta.
– Aí, você saiu a correr – sugere Larita.
– Que correr o quê! Nem tive pernas para isso. Trêmulo de susto, demorei mais tempo que o normal para percorrer o caminho de volta. Cortei atalho para não encontrar pessoas e ter que dar explicações. Creio que qualquer um teria percebido meu transtorno. Quando meus familiares chegaram das últimas solenidades, eu já estava deitado; não a dormir porque, isso não consegui naquela noite.
– Quem diria? O conhecido desafiador e “molecão”, abatido pela visão de uma espingarda, tendo como fundo sonoro algumas palavras de efeito – é o Tatão a provocar mais uma vez.

Quinzão que, até o momento, tinha se limitado a boas risadas em torno do caso relatado, manifesta-se:

– Teria dado bom dinheiro para ver sua cara diante do homem! O momento deve ter sido bastante engraçado.
– Volto a repetir: engraçado para quem não viveu a experiência. Mas, o pior veio depois.
– O homem voltou a ameaçar? – perguntaram vários do grupo, ao mesmo tempo.
– Antes isso tivesse sido!
– E o que aconteceu, então?
– O que se deu, em seguida ao episódio, me atormentou demais e tive medo de que fosse passar para a “coluna do meio”; perdi a “animação” por mais de um mês.

A revelação é demais. Se o grupo já estava a fim de brincar com o Manelão, o insólito em sua intimidade, tornado público por ele próprio, é a chave para mais gozações. Brincalhão com tudo e com todos os que o rodeiam, ele não perdoa nem a si próprio, criando oportunidades para chacotas por parte dos seus amigos. Por isso, a descontração é geral. A algazarra enche o ambiente e alcança a rua, chamando a atenção de transeuntes. Chiquinha acaba por ser envolvida nas pilhérias, também aceitas por ela. Dolores, com os olhos lacrimejantes de tanto rir, dirige-se a ela:

– Então, Chiquinha, você quase cai na contingência de se casar com outro; e perderíamos esse par alegre, indispensável em nossas rodas de bate-papo!
– Na hipótese de perder o Mané, teria preferido continuar solteira.
– Ora, que é isso, Chiquinha? Por que fazer conjecturas, se vocês ainda não haviam se encontrado?
– Encontrado, não, mas de olho nele estava, havia muito tempo. Ele é que não tinha olhos para mim. Como eu era muito tímida e, naquela época iniciativas femininas nesse campo só depunham contra a mulher, fiquei na dependência da oportunidade propícia. E isso aconteceu também numa festa religiosa.
– Ainda bem que, então, meu futuro sogro não tinha espingarda! – conclui Manelão.

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