Coisas de ontem... e de hoje XXVII

01 de Setembro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Durante bom tempo perduram as brincadeiras com o Manelão, estendidas à sua mulher, Chiquinha, em torno da revelação feita. A cada pilhéria feita, Manelão responde com outra, por isso, a pândega continua e promete ainda mais gargalhadas. Depois de muito rir, Tatão volta a atacar:

– Agora entendo, Manelão, o porquê de sua fácil desistência. É que, pelo menos, temporariamente, você ficou sem “motivo” para levar o namoro avante. Brigar pra quê? Pra nada? Seus “interesses” seriam outros a partir daquele momento; a garota seria esquecida e a espingarda seria sua referência na “mudança de rumo”.

– Ora, Tatão, vire sua boca; mui amigo, hein?

– Para que essa reação? Você se esquece de que o episódio ficou pra trás no tempo, antes dos filhos e netos, que a vida lhe deu. Aliás, hoje nem deve haver mais nenhuma preocupação, pois a situação temporária de outrora, hoje, já deve ser definitiva.

Em meio a mais gargalhadas e batidas na mesa, é Chiquinha que reage à última provocação do Tatão:

– Meu Mané? Nãããooo!!!

Nesse ponto é Quinzão que intervém:

– Vejam bem. O caso do Manelão virou história sem maiores consequências e, agora, é “gancho” para brincadeiras, levando-nos à descontração. Mas, imaginem se o homem da espingarda pudesse penetrar os pensamentos do Manelão. O que ele não teria feito? Quis atirar no que via, não atirou, mas acertou, mesmo sem atirar, no que não via! Ainda bem que não temos poder de entrar em mentes alheias.

– Aí é que você se engana! – rebate Tatão.

– Mas, como? – surpreende-se Quinzão.

– Invadir outra mente até que, de certo modo, qualquer um pode, só que desconhece; mas a invasão mais depende da mente invadida do que da invasora. O poder vem pelo conhecimento, porém, em contrapartida, a outra mente pode ser ou não receptiva a influências externas. Aqui se aplica bem o provérbio “cachorro entra na igreja porque encontra a porta aberta”. Somente pessoas, que se deixam influenciar, acabam por padecer algo sugerido por outrem. Explica-se porque para uns, feitiço existe e, para outros, não. Quanto ao que aconteceu com o Manelão pode ter sido apenas trauma psicológico momentâneo, do qual se recuperou graças à sua forte personalidade. Manelão não é dos que se deixam levar pela vontade alheia.

– Trocando em miúdos, o episódio da cartucheira acabou por favorecê-la, não é? – pergunta Dorinha, dirigindo-se à Chiquinha.

– De certa forma, sim, mas fomos dois favorecidos.

– Ela tem razão – confirma Manelão.

– Você diz que o primeiro encontro foi também numa festa religiosa; como se deu isso? – indaga Dolores.

– Foi até engraçado. O Mané nem me notava, mas eu o cobiçava; só faltava a oportunidade, para chamar sua atenção. Naquele tempo as festas eram grandiosas. Além dos ritos internos, puramente religiosos, a programação externa comportava série de atrações como quermesse, leilão de prendas, folguedos infanto-juvenis, banda de música; isso da manhã à noite. Nesse dia, a praça da igreja estava lotada e grande dificuldade havia para atravessá-la. De determinado ponto, vi o Mané no meio da multidão. Pensei: é hoje ou nunca. Antes que me arrependesse do que pretendia fazer, dirigi-me para o mesmo local, torcendo para que ele continuasse de costas para mim. Apressei o passo, esgueirando-me entre pessoas, e lhe dei forte esbarrão. Voltei-me, imediatamente e, com a cara da mais convicta compadecida, chegando a tocar-lhe o braço, pedi desculpas.

– E aí, o que aconteceu?

– Creia, Dolores, só pelo olhar que ele me devolveu, percebi que tinha conseguido meu intento. Isso aconteceu pela manhã, antes da missa cantada, tradicionalmente, então, celebrada às dez horas. À tarde, estava eu junto a uma das barraquinhas, quando ele se aproximou, dizendo: – Gostaria que todo esbarrão fosse como aquele que aconteceu entre nós, pela manhã. Daquele momento em diante, acertamos nossos ponteiros e, juntos, estamos até hoje.

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