Coisas de ontem... e de hoje XXXVII

09 de Dezembro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Mário, o caladão, quebra seu silêncio, mais uma vez:

– E como eram demoradas as viagens naquela época! Estradas ruins e veículos lentos, fracos. Não me lembro bem, mas viagem a Belo Horizonte, nos anos quarenta, levava umas três horas.

– Tais brincando – zomba Manelão.

– Era menos tempo? – devolve o Mário surpreso.

– Com três horas, de jardineira, ia-se, creio eu, pouco além de Itabirito; digo, porque fui, certa vez, a Nova Lima e foram gastas cinco horas. Também, aquilo não era estrada. Era caminho de cabrito, no qual até árvore de maior porte fora obstáculo para quem a traçara. Chegava-se ao fim da viagem com o corpo todo dolorido, em consequências dos pinotes do veículo – Manelão falava e sacudia o corpo, como se estivesse montado em burro xucro.

– Gente, viagem àquela época era aventura reservada a poucos, não só pelo custo, mas, sobretudo, pelo exigido do organismo, que devia ser mais do que saudável; antes de tudo, resistente aos maus tratos, impostos pelas circunstancias – é Dolores a falar.

– Como disse e demonstrou o Manelão, o corpo, fragilmente apoiado na desconfortável poltrona – se é que assim pudesse ser chamada – era jogado em todas as direções.

Manelão não se aguenta e intervém:

– Com isso, em pouco tempo de viagem, bofes, miúdos e tripas estavam misturados, fazendo um carnaval geral! – A turma cai na gargalhada.

– Ora, Manelão, “miúdos” é coisa de porco, própria para se fazer “saquimba” – adverte alguém.

– E qual a diferença? O que eles fazem, dentro do porco, fazem também dentro de vocês.

– Mais que os fortes solavancos, intolerável era o cheiro da gasolina – explica Quinzão – os veículos eram todos movidos a gasolina e esta tinha cheiro horrível, fortemente enjoativo. Sofria-se aquela tortura por toda a viagem.

– E por que o custo estava fora do alcance da maioria, como se sugeriu? – pergunta Dorinha.

– Muito simples, Dorinha – adianta Tatão – a jardineira só fazia uma viagem por semana; seguia para Belo Horizonte, na segunda-feira, e só retornava no sábado. Se o feliz viajante, na capital, tinha parente, este arcava com a estada: cama, mesa, e algum passeio, para se conhecerem as belezas da cidade. Aliás, para quem saia do “brocotó”, onde nascera, tudo na cidade era belo. Se lá não tinha parente, o jeito era se arranjar em hotel ou pensão. Por aí se vê que viagem não estava ao alcance de qualquer um.

– Havia a alternativa do trem – lembra Lazinha – com ida e volta todos os dias.

– Mesmo de trem não havia como voltar no mesmo dia; no mínimo, um pernoite havia que fazer em Belo Horizonte. E o percurso até a estação Dom Bosco? Quem podia, alugava animal de sela para ir até a estação ferroviária, mas havia que ir também alguém para garantir o retorno da montaria. Eram cerca de duas léguas a percorrer pois, a ferrovia atravessava o distrito, no extremo sul, longe do perímetro urbano, inviabilizando assim o seu uso pelas camadas populares.

– Essa realidade teria sido alterada – continua Tatão – se o governo mineiro tivesse cumprido o que determinava a Lei nº 111 de 27 de julho de 1894, autorizando a construção de ramal, que ligasse o eixo ferroviário ao, então, “arraial da Cachoeira do Campo”; isso, quando a capital ainda era Ouro Preto. Porque o governo prometeu e não cumpriu, a comunidade cachoeirense ficou isolada. Mais tarde, quando surgiram os primeiros coletivos, uns poucos ficaram dependentes da jardineira e a maioria excluída do direito de sair. As coisas só começaram a mudar, quando aberta uma estrada de verdade!

– Você quer dizer, Tatão, que deveria ter sido construída ligação ferroviária com a estação Dom Bosco? – indaga Dorinha surpresa.

– Quero dizer, não! Digo que foi determinado em lei, mas esta não foi cumprida, assim como infinidade delas neste país.

– De qualquer forma – adverte Manelão – se construído, o ramal não mais existiria; teriam sido furtados os trilhos, naquela onda de assaltos ao patrimônio ferroviário, comandada por privilegiados. Como no tráfico de drogas, só alguns da miuçalha foram pegos pela polícia; eram trabalhadores contratados pelos ladrões!

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