Democracia mascarada

03 de Novembro de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Finalmente, no dia 25 de outubro, na Câmara Federal, foi votada a segunda denúncia contra o atual presidente da República, o vice da presidente destituída por força de um processo de impeachment. Sem contar com a confiança popular desde o início do conturbado governo complementar, sua continuidade no posto após as denúncias, que o envolveriam em negócios escusos conduzidos por empresários, confessadamente criminosos, estava sob dependência do Poder Legislativo, ao qual cabia a concessão de autorização ao STF, para que este instalasse o processo contra si. Ao contrário da primeira denúncia, da qual se safou com relativa facilidade graças às jogadas, nas quais nunca faltam as trocas de favores, o antiético toma-lá-dá-cá, na segunda, seu governo subiu ao telhado, escorregou, rolou e ficou pendurado na calha. Só não caiu porque gravações de conversas dos empresários envolvidos, anteriormente desconhecidas, atenuaram as acusações contra o presidente. Além disso, o mesmo esquema anterior de autoproteção política foi colocado em ação, mais uma vez, para que a sujeira fosse varrida para debaixo do tapete; diz-se para debaixo do tapete porque, ao fim do mandato, o processo poderá ser retomado.

Depois de todo o imbróglio, parte do público questiona o fato de o presidente ter tido o restante do mandato resguardado e clama contra a impunidade, um mal crônico deste país. Reconhece-se a essa ala a justeza de sua posição contra toda sorte de protecionismo político, ainda que o alvo seja o presidente da República, uma vez que a Lei é igual para todos. Contudo, há momentos em que o mal pode se agravar e contra isso há que estar prevenido. No caso presente, maior prejuízo poderia haver para o país como um todo, motivo bastante para que a denúncia não fosse levada a ferro e fogo. Trocar o presidente da República, antes que o país tenha se recuperado do trauma provocado pelo recente impeachment, especialmente sob luz dos primeiros sinais de recuperação econômica, não seria a medida mais adequada para lidar com o problema, mais um dos muitos que a sociedade brasileira enfrenta no campo político. Tendo sido superada a pior fase da crise econômica, constatação a que se chega pela reação favorável em diversos setores, outra quebra na continuidade do atual mandato, provocaria também um retrocesso na economia. Depois, trocar por quem? O estepe também está comprometido!

A verdade é que o Brasil, dentro do atual quadro político, não conta com ninguém a quem se possa entregar a condução do governo, sob presunção de sobriedade e honestidade. Muito antes que estourasse a operação Lava Jato com a revelação de sucessivos escândalos a envolver a grande maioria dos políticos e boa parte da nata dos empresários nacionais, já se dizia nesta coluna que o arcabouço político brasileiro estava podre. A sociedade já sentia isso, quando não via resposta adequada às aspirações nacionais e demandas da população, mas não tinha instrumentos com os quais escarafunchar (este seria o termo) a fundo as ações a envolver máquina administrativa e partidos. Isso só foi possível com ampliação do poder do Ministério Público, cuja autonomia nas investigações, com ou sem ajuda da Polícia Federal, foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal-STF. Até então, havia forte resistência contra o poder investigatório do Ministério Público. Sabe-se agora o porquê disso.

O poder está tão podre que, mesmo sob processo e recolhidos ao xadrez, políticos continuam na prática do crime! Por essa razão não há reforma que dê rumo correto ao sistema político que aí está. Nada mais há que fazer, se não sua extinção por completo. Mas, se a sociedade não se levantar e cobrar; se não for para as ruas e apontar outro caminho, também nada se fará, com exceção de tapeações, em lugar das mudanças necessárias. Está na hora de a política se libertar de partido e ser conduzida pela sociedade, mais especificamente pelo eleitorado, voltando às sua origens, na Grécia, quando ainda não havia partido político em qualquer parte do mundo.

Quem fala, hoje, que não existe democracia sem partido político, não conhece a História ou não quer que o povo conheça a verdade. Independentes de partidos, políticos não teriam a força corporativista, sob a qual manipulam a vontade do povo, legislam em causa própria e empresariam a corrupção. Partido político, ainda que não envolvido na mais sórdida corrupção, pode chegar à canalhice. Vale tudo para aparecer como agremiação consolidada e com credibilidade; pura ficção! Mas, se o povo quiser, o Brasil poderá ensinar ao mundo como se pratica a verdadeira democracia.

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