Império dos fora-da-lei

27 de Outubro de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O maior bem que a democracia, ainda que perneta como a brasileira, proporciona ao cidadão, é a liberdade. Dentro do conceito de cidadania, nada vale mais que a liberdade de pensar, de agir, de se expressar, de produzir, de ir e vir, de se integrar, de se posicionar politicamente, enfim, liberdade de ser de acordo com a escolha de cada um. Mas, dentro de uma sociedade organizada, essa liberdade implica em responsabilidades, uma vez que cada indivíduo, cada cidadão constrói seu próprio “espaço” de liberdade, de acordo com o direito comum a todos.

Parte da responsabilidade, em contrapartida à liberdade, consiste em respeitar o direito do próximo, no gozo de sua própria liberdade, daí o princípio, segundo o qual, o direito de um termina onde começa o direito do outro. É aí que a “porca torce o rabo”, porque num país que não prioriza a educação - em todos os sentidos - sempre há os que se supõem com direito a se sobrepor sobre os direitos de outrem, só deixando de assim proceder por coerção da autoridade, quando esta cumpre seu dever. Mediante educação adequada, o cidadão reconhece a lei e não a contraria, voluntariamente e sem imperativa necessidade. Destituído de educação, ele trafega pela contramão, fura o sinal vermelho, quando não vê o guarda pronto para puni-lo. Em resumo: não respeita a lei mas teme o policial, que pode puni-lo de alguma forma! São exemplos mais simples e corriqueiros das infrações do dia-a-dia. Ele faz tudo e de tudo, não havendo por perto quem possa impedi-lo! Age como se o mundo fosse seu e somente seu, não lhe importando que pessoas ao seu redor sejam incomodadas ou prejudicadas.

Fez um ano, dia dezenove deste outubro, a Resolução 624/2016 do CONTRAN, cujo Art. 1 diz: “Fica proibida a utilização, em veículos de qualquer espécie, de equipamento que produza som audível pelo lado externo, independentemente do volume ou frequência, que perturbe o sossego público, nas vias terrestres abertas à circulação.” Como o povo é mal educado, por conseguinte, não preparado para viver a liberdade relativa dentro da coletividade, os abusos continuam, tudo como se lei não houvesse.

No município de Ouro Preto, ao problema da má educação juntam-se a má vontade e omissão das autoridades constituídas, às quais cabe a administração da liberdade vigiada, recurso destinado à proteção dos direitos e interesses coletivos, na falta de consciência de cidadania. Não se cumprindo, espontaneamente, a lei, cabe às autoridades fazê-la ser cumprida, mediante fiscalização e penalidades que ela própria preceitua. Entretanto, isso não ocorre no município de Ouro Preto, dotado de uma Guarda Civil Municipal, praticamente inoperante, concentrada no distrito-sede e atendendo os distritos secundários somente em ocasiões especiais. Devido a essa particularidade, tal serviço policial mais parece atender o aspecto legal da contrapartida municipal exigida pelo Estado na manutenção da Segurança Pública.

Se reuniões, discursos, comunicados à imprensa, entrevistas, pronunciamento de vereador e mais blá-blá-blá devolvessem o sossego ao público, as autoridades teriam cumprido o dever e mereceriam aplausos, pois ao contrário de ações práticas, palavrório não tem faltado. A Resolução do CONTRAN alude a “som audível pelo lado externo”, mas a reclamação é feita contra barulho mesmo, que causa estremecimento a vidraças, agride nervos e pode estourar tímpanos; é o som grave (sub-woofer) acima dos sons agudos. Felizmente, ao contrário de outros lugares, ainda não atuou na região o braço da “justiça clandestina”, ou seja, a aplicação de pena pessoal a tais abusadores, na falta de atuação das forças do Estado; acomodação, resignação, paciência e tolerância são ingredientes a constituir a passividade da população diante de graves infrações que, se não combatidas, podem ser porta para o crime.

Mas isso pode mudar, pois tudo tem limite! Antes que o pior ocorra como resposta aos abusos de uns e omissão de outros, que se imprima mais rigor à Lei, proibindo-se o licenciamento de veículos providos de equipamentos de som pesado. Proibição não combina com liberdade e com democracia, ainda que perneta, reafirmo, mas é o preço imposto pelas circunstâncias desfavoráveis aos direitos da grande maioria da coletividade. Basta o barulho normal dos veículos, que também chegam a incomodar; basta o som autorizado de publicidade, em volume adequado, no horário comercial; basta o barulho regular das ruas! O que é a isso acrescentado, por meios eletrônicos, com o claro propósito de importunar, azucrinar, prejudicar e provocar é caso de polícia; e como tal deve ser tratado, antes que o pior aconteça.

Que passem, à ação, as autoridades até agora inertes, a fingir de mortas, enquanto cidadãos sofrem sob o império dos fora-da-lei!

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