Desordem e regresso

19 de Fevereiro de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O grau de civilização de um povo não se avalia por seu desenvolvimento econômico ou pela realização de grandes proezas, pela dimensão de suas cidades com ruas entupidas de veículos, bem como também não pela capacidade de realizar grandes eventos. Também não se avalia pelo número de universidades, por quantas bibliotecas, teatros e organizações culturais possua. Estes são apenas resultantes de esforços na geração de riqueza, que podem ou não estar harmonizados com as aspirações coletivas, em seu sentido mais amplo. Não é, por exemplo, deixar de puxar a folha seca da bananeira, para dar descarga, que torna o indivíduo civilizado!

O Homem, ainda nas cavernas, pressentiu ser mais fácil viver em sociedade, ou seja, vários indivíduos interligados por interesses comuns. Ao mesmo tempo, chegou também à conclusão de que regras e regulamentos são necessários para a garantia de realização de todos os indivíduos participantes, no mesmo grupo. Todos têm aspirações à participação na riqueza, que o grupo se propõe realizar, mas cada indivíduo difere do outro, em sua natureza pessoal, razão pela qual surgiu a lei, na relação entre as aspirações do grupo e a geração de riqueza, para que a cada indivíduo seja garantida participação, de acordo com sua capacidade. Este é o princípio da lei, em seu sentido primordial, muitas vezes deturpado ao sabor de interesses de subgrupos e em detrimento de toda a coletividade, mas isso é outra história que não cabe agora discutir. A civilização se baseia na ordem e só há ordem, onde e quando a lei é a mais justa possível e respeitada na mesma proporção; donde se conclui que a civilização de um povo se avalia pelo grau de respeito voltado à lei, ainda que injusta.

O Brasil, paulatinamente, ao longo de sua história como país independente, percorreu curva ascendente em seu desenvolvimento civilizatório, muito embora a de seu desenvolvimento econômico estivesse aquém das necessidades da coletividade. Carente material, em muitos aspectos, o país, entretanto, ostentava estrutura organizacional, que se respeitava e conquistava respeito, razão pela qual a vida com tudo o que ela produz e representa, individual e coletivamente, estava sob a proteção da lei. Ainda não era o céu, mas o país estava no caminho!

Em algum momento, embebedou-se do ilusório, cambaleou, inverteu sua trajetória e entrou em curva descendente. Da escalada cheia de obstáculos, porémtransponíveis, constituindo-se eles próprios em pontos de apoio, o pais vislumbrou trilha menos acidentada, mais lisa. Por ela optou e, aí, escorregou. O Brasil caiu em estado de pré-barbárie!

Monetizam-se cargos eletivos, prostituem-se cargos públicos de relevância, rouba-se às escâncaras, esbulha-se o patrimônio público, escamoteia-se a criminalidade, abandonam-se as vítimas, minimizam-se atos criminosos, implanta-se a impunidade, dá-se, ou, consente-se poder a presidiários no comando de organizações criminosas, desacreditam-se as forças de segurança ante os olhos do público. O estado está de cócoras, sem forças, ele próprio corroído pela criminalidade, subestimada e não punida no seu tempo. Por sua vez, a sociedade, desamparada por inércia do estado de direito, vê agigantar-se o “estado bandido”, surgido pela minimização do respeito à lei e pela benevolência encontrada nas artimanhas da própria. Enquanto isso, prospera a contaminação de sua face inocente com mais e mais cidadãos compelidos ao desrespeito e ao desafio à lei, convictos de não serem obrigados a cumpri-la, em razão de interpretação própria e influências estranhas. Tais pessoas, quando na direção de entidades de natureza privada, acabam por levá-las a dificuldades, em razão de sua posição antagônica ao cumprimento de leis, por considerá-las injustas, impróprias ou em desacordo com seus interesses. Falta-lhes consciência para entender que lei deve ser cumprida, ainda que injusta, e, que nesses casos só a revogação impede sua aplicação.

Em países civilizados, respeita-se a lei, conscientemente e por educação, sabendo-se ser necessária, independente da fiscalização ou do guarda à vista, mas em caso de infração, punição correspondente é aplicada, sem se olhar a quem. Lá, a preocupação do estado é com a conscientização do indivíduo, tornando-o cidadão mediante boa educação no sentido geral, incluindo-se o respeito à lei. Entre nós, o respeito puro, independente de qualquer sanção não existe; o que há é o temor de ser multado ou ser preso, quando não há a corrupção entre uns e outros, para evitar que a lei se cumpra. Cá, o estado não se preocupa com a transformação do indivíduo em cidadão, porque em estado primitivo é mais fácil enganá-lo com miçangas, pode prometer e não cumprir e dele arrecadar quanto de imposto e multa queira.

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