Destino do Dom Bosco em discussão na Justiça

19 de Agosto de 2013
Jornal O Liberal

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Mauro Werkema

Com uma densa e bem fundamentada peça, com vários argumentos jurídicos, citação de vasta jurisprudência relativa a feitos similares, juntada de documentos históricos e administrativos, o Ministério Público Estadual e o Estado de Minas Gerais apresentaram à 2ª Vara Civil de Ouro Preto solicitação de “reversão, em benefício do patrimônio do Estado de Minas Gerais, de todos os imóveis doados condicionalmente” à Inspetoria São João Bosco, administradora da Ordem Salesiana, em Cachoeira do Campo, relativos ao antigo Colégio Dom Bosco. A peça representa a conclusão final do Inquérito Civil Público instaurado pelo Ministério Público Estadual após a reação da comunidade de Cachoeira do Campo e de Ouro Preto, através do movimento “O Dom Bosco é nosso”, contrário à venda feita pelos salesianos a grupo imobiliário de Belo Horizonte, que pretendia implantar um empreendimento nos 520 hectares onde se encontra o antigo colégio. A expectativa é de que o caso possa ter um desfecho em prazo breve, uma vez que o Ministério Público pediu urgência, com “julgamento antecipado da causa”, face à situação de abandono do imóvel e terrenos.

O destino do Dom Bosco interessa a toda à região dos Inconfidentes. Trata-se de terreno de grande valor, por sua privilegiada localização, compreendendo ainda o prédio histórico do antigo quartel do Regimento de Cavalaria ainda da Colônia, e porque poderá abrigar novas atividades de interesse público, beneficiando a comunidade. É possível, se a propriedade retornar ao Estado, que seja destinada à UFOP, que já manifestou seu interesse em instalar um distrito tecnológico, a partir de experiências acadêmicas, representando antiga aspiração da Universidade, seguindo o modo hoje adotado por várias instituições de ensino e pesquisa. Poderá também sediar uma unidade da Polícia Militar, possivelmente do Colégio Tiradentes ou do Museu da PM, hoje sem sede adequada. A PM mineira tem no antigo quartel sua origem, conforme se comprova em várias fontes históricas, e a instituição já manifestou ao governador do Estado seu interesse nesta iniciativa. O terreno, amplo, comportaria as duas destinações.

A alegação básica da peça do Ministério Público é que o terreno, doado por dom Pedro II ao Governo do Estado após sua visita a Minas, no início de 1889, quando encontrou a antiga propriedade em abandono, foi repassado pelo então governador Afonso Pena à Ordem Salesiana com a obrigação, registrada em documento apenso à peça jurídica, de instalar e manter instituição de ensino. Há mais de dez anos os salesianos deixaram de manter o antigo Colégio Dom Bosco, que educou dezenas de gerações de mineiros com ensino de boa qualidade, mas que já não mais se interessa por esta atividade. Não poderia, portanto, realizar sua venda, em lucrativo negócio, no valor de R$ 20 milhões, hoje desfeito em função da reação da comunidade e do Ministério Público. Recentemente, os salesianos alugaram o antigo quartel para uma empreiteira que alí abrigou perto de 400 operários, em claro risco para a edificação histórica.

Pede a ação que seja declarado o valor histórico do imóvel, construído em 1776, onde serviu o alferez de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e que foi comandado pelo tenente coronel Freire de Andrade, também inconfidente de 1789. Vários outros feitos históricos inserem o antigo quartel na História de Minas, segundo estudos e fontes citadas pelo Ministério Público. Pede a preservação total do imóvel, com o seu tombamento, conforme processo já em andamento no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico. E solicita que seja declarado o “inadimplemento do cumprimento dos encargos impostos pelo Estado de Minas Gerais à donatária Inspetoria São João Bosco, com a consequente determinação a reversão em benefício do patrimônio do Estado de Minas Gerais”. Pede o Ministério Público também que seja a Inspetoria notificada por ter impedido a entrada de técnicos do IEPHA na propriedade para que fosse realizado o dossiê de tombamento do “imóvel litigioso”.

A peça do Ministério Público, assinada também pela Advocacia Geral do Estado, possui ampla argumentação histórica, situando a importância do imóvel para a região, de clara natureza cultural. E junta documento de 14 de novembro de 1893, o Termo de “Doação e Entrega aos Salesianos”, que se obrigaram a: reedificar o prédio do quartel, que se encontrava em ruinas, recebendo do Estado a importância de 30 contos de reis para tanto; receber os alunos para aprendizagem de artes, ofícios, agricultura etc, no estabelecimento que alí fundassem; apresentar prestação de contas anual ao Governo do Estado sobre os alunos que ali fossem educados”. Se efetivamente a Justiça determinar o retorno do imóvel ao Estado, abre-se a discussão sobre sua destinação, tornando-se importante que seja ouvida, prioritariamente, a comunidade de Cachoeira do Campo, mas também a de Ouro Preto, por suas diversas instituições, inclusive a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, além dos interesses já manifestados pela UFOP e Polícia Militar de Minas Gerais.

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