Dona Maria Paixão – uma paixão centenária

24 de Março de 2014
Jornal O Liberal

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*Roque Camêllo

Esguia, elegante, fala mansa e lúcida, assim, encontrei nossa amiga, Maria José da Paixão, também conhecida como Maria do Rancho. Este apelido com conotação carinhosa, nós, ainda crianças, lhe demos quando morava ela em uma casinha anexa ao então Rancho dos Camêllos ou para alguns Rancho do Sr. Catinho. Hoje, neste local está construída a Pousada Contos de Minas.

Maria Paixão nasceu em 08 de fevereiro de 1913, na cidade de Presidente Bernardes que ela e nós continuamos a chamar de Calambau. Com seus 101 anos completos, lembra-se perfeitamente de quando chegou a Mariana. Veio de Calambau, trazida por seu avô, Camilo Quintão, àquela época já um homem centenário. Faziam parte do grupo o marido, Juventino Paixão, e os quatro primeiros filhos: Roberta, Inguinho, Cássia e Hélcio.

O avô a cavalo e ela, Juventino e os filhos a pé deixaram Calambau, subindo e descendo as montanhas e a serra do Itacolomi. Sendo o velho Camilo amigo do Sr. Catinho, a família se instalou numa das casas do Rancho, propriedade dos Camêllos. Assim, nasceu uma relação fraterna entre nossas famílias.

Ao visitar a querida e centenária, Dona Maria, perguntou-me ela sobre todos meus irmãos com seus respectivos nomes. Memória prodigiosa, reproduziu fatos a partir da década de 30 até parte dos anos 50. Ela debulhava as contas de um rosário de quase três décadas como se fosse hoje. Ouvindo-a, refiz aqueles momentos mágicos que adultos e crianças compartilhavam. Foram dias orvalhados de bênçãos e amorosamente aquecidos pela fraternidade.

Lembrou-se de Dona Zizinha Camêllo fazendo salgadinhos para vender no Bar Nossa Senhora das Graças, situado na Praça da Sé de Mariana, onde trabalhavam os filhos Nico, Zezé, Luiz e Saulo. Eram tempos difíceis a exigir que a numerosa prole do Catinho e Zizinha e mesmo os mais novos participassem da manutenção familiar, ação coletiva que só causou bem a todos. De fato, o trabalho com dignidade, engrandece. Jamais desonra as pessoas. Eis o ocaso da família de D. Maria José da Paixão e Juventino, que souberam educar os filhos. Seus bons frutos estão até hoje colhidos nos netos e bisnetos. Maria Paixão é idosa em razão do vitorioso tempo vivido, mas, não velha. É vibrante, ama viver e recorda, com alegria e gratidão, cada pedaço de seu passado até os caminhos mais espinhosos vencidos com galhardia, honradez e fé, pois, é profundamente religiosa.

Maria Paixão retrata em si a mulher mineira forte e trabalhadora, que lutou com garra para superar as dificuldades. Equilibrada, sabe aceitar os designíos de Deus. É um exemplo para todos nós de como se vive com dignidade e amor ao próximo.

Em boa hora, os vizinhos da Rua Bom Jesus a homenagearam com um belo banner onde se lê: “Hoje poderia ser feriado nacional. Pois no mundo nem sempre nasce uma pessoa como a senhora. Parabéns D. Maria pelos seus 101 anos muito bem vividos.” Nada mais justo e tão bem lembrado que os dizeres desta mensagem, voz e testemunho dos privilegiados de seu convívio.

Que fim de tarde inesquecível passei segurando-lhe as mãos abençoadas e mirando aqueles olhos de ternura e santidade. Levantei-me para me despedir e qual não foi minha surpresa com sua doce ordem à filha Roberta. “Vá buscar a orquídea que a Merania me deu”. Isto acontecera há 5 anos. “Minha filha, esta orquídea não morreu. Continua florindo todos os anos”, palavras que Roberta confirmava sorridente, olhando para a neta Ana e para a bisneta Iasmim. Um instante para se eternizar dentro do peito!

A vida pode ser uma orquídea como a alma e o coração de D. Maria do Rancho, florindo sempre e sorridente na Graça e no Amor.

*Presidente da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras e ex-prefeito de Mariana

Dona Maria Paixão – uma paixão centenária
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